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Como psicólogo, tenho o complicado desafio de ser um facilitador para que as pessoas se conheçam. Isso mesmo. Na esmagadora maioria dos casos me deparo com pessoas que não se conhecem. Será possível? Como diz o ditado: “Freud explica” *.
Segundo
o pai da psicanálise, o “eu” (consciência) seria apenas uma parte do meu
aparelho psíquico, dividindo espaço com o SuperEgo (princípio regulador e
normativo) e o Id (inconsciente puramente instintivo), tendo, portanto a
responsabilidade de administrá-los, proporcionando assim uma melhor
possibilidade de socialização. Contudo, Freud vai defender que sofremos mais
influências do inconsciente do que da nossa própria consciência. Em outras
palavras, quase sempre fazemos escolhas ou somos acometidos por pensamentos e
desejos que não são racionais, mas institivos.
A
essa constatação feita no fim do século retrasado soma-se uma cultura de
“preguiça mental” empregnada nas nossas escolas, nas mídias, internet e afins.
Somos parte de uma geração que é habituada e incentivada a não pensar. Somos
frutos de uma era mecanicista, na qual o comodismo e as facilidades nos
permitem visitar o mundo na palma da mão através do smartphone, a fazer compras
pelo computador e a emagrecer tomando shake. Quanto menos esforço melhor,
física e psicologicamente. Será?
É
por isso que o desafio do psicólogo é tão complicado. Enquanto você e eu somos
motivados e habituados a não pensar a nossa própria condição, a Psicologia vem
se esforçando e remando contra a maré para reverter esse processo. O que nos
difere dos animais? Essa é uma pergunta que parece, à primeira vista,
desnecessária ou mesmo óbvia. Mas guardadas as proporções, eu diria que na
prática muito pouco, sobretudo quando nos tornamos vítimas dos instintos e não
conhecemos de fato aquilo que somos.
Na
teoria, a principal diferença do ser humano para qualquer outro ser é que nós
somos os únicos capazes de questionarmos a nossa própria condição, em outras
palavras: racionalizar. Ou seja, quando eu sinto sede, não bebo a primeira poça
de água que vejo diante dos meus olhos, como faria qualquer animal, penso que
existe água potável e devo procurá-la para me saciar. Trata-se de um exemplo
simples, mas ilustra bem o fato de que me conhecer é fundamental para saber o
que é para mim e o que não é. O que me sacia e o que não me sacia. O problema é
que nos conhecemos muito pouco.
Partindo
do Freud para o Frankl*, encontraremos neste segundo a seguinte constatação: “a
maioria dos casos que recebo no consultório não configuram neuroses ou
patologias clínicas, mas um profundo esvaziamento de sentido.” A pedra cantada
pelo fundador da Logoterapia em meados do século passado na Áustria é
corroborada por mim hoje em Petrópolis. As pessoas padecem por falta de
conhecimento. Não, não falta informação! Estão todos conectados. Falta
formação. Que forma temos nós? Do que nós somos feitos?
Perguntas
como essas só são respondidas mediante um profundo mergulho no nosso “eu”. É
quando largamos mão dos estereótipos que nós e os outros construíram a respeito
daquilo que somos, para nos enxergarmos tal como somos... Eita processo penoso!
Não é fácil olhar para dentro, não é fácil se encontrar. Já repararam como é
difícil e angustiante ficar só durante um longo período de tempo? Não é à toa
que a pior punição recebida num presídio é a cela solitária.
Estar
só às vezes é tão incômodo porque é como estarmos diante de um desconhecido,
uma pessoa da qual não sabemos nada e que é terrivelmente difícil quebrar o
gelo para puxar um assunto, sabe? Como naquelas situações em que um amigo te
chama para uma festa em que ele conhece a todos e você não conhece ninguém e de
repente você se vê abandonado por ele, ao lado de uma pessoa monossilábica que
você nunca viu na vida... Os primeiros minutos são angustiantes, mas depois de
meia hora o assunto talvez esteja fluindo tanto que você até agradece ao seu
amigo depois.
Quero dizer que entrarmos em contato conosco é em primeira instância um processo
difícil e que requer decisão. Só que uma vez iniciado o percurso, passamos a
nos surpreender com o que encontramos. O primeiro grande chamado da nossa vida
não é a sermos um grande profissional ou a sermos um pai ou mãe de família,
isso é conseqüência. A nossa primeira missão é ser quem somos!
E
você? Já se conhece? Não perca mais tempo: acabando essa leitura, desliga um
pouco o computador e coloca esse celular no modo avião, tira uns cinco minutos
pra pensar em quais são as tuas principais qualidades, principais defeitos,
prato favorito, melhor amigo, seus hobbys, seus sonhos... Vale a pena se
conhecer e saber o que se quer. Somos mais que os nossos instintos, somos mais
que os nossos desejos. Que os exames de consciência virem rotina, a vida pede
mais!
Rodrigo Moco
Psicólogo / Coordenador da Oficina de Valores
*Sigmund Freud, fundador da corrente psicológica
Psicanálise.
*Viktor Frankl, discípulo discidente de Freud,
fundador da chamada 3ª escola Vienense de Psicoterapia, Logoterapia.
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