E eu, por que não vou assistir ao filme 50 tons de cinza?
Reuni ideias para este texto a alguns dias atrás, e confesso que está sendo bem difícil colocá-lo
aqui, pois em alguns dias, parece que todo mundo resolveu escrever sobre este filme, seja
para elogiar ou criticar.
Pois bem, sem o menor compromisso de ser original, escrevo este texto para dizer os motivos
pelos quais eu nunca li o livro e agora não vou gastar duas horas da minha vida e dez reais da
minha carteira para ver esse filme*.
Poderia começar com algumas críticas em relação à qualidade, como o fato da história se
tratar de uma fanfic da saga de Crepúsculo, ou, como muitos disseram, de o livro ser mal
escrito. Mas, sinceramente, acredito que existe uma questão mais determinante em um livro
do que a forma: a mensagem que ele passa.
Poderia também falar de como é triste que um livro que não é considerado bom tenha feito um
sucesso tão grande somente porque fala de sexo, e como as pessoas tem a ilusão de serem
livres por poder ler esse livro. Mas como o blog já apresentou outros textos sobre esse tema,
vou criticar esse livro sob outro aspecto.
Particularmente, gosto muito de histórias de ficção, mas quando elas se encontram em uma
linha muito tênue com a realidade, julgo que podem carregar certos problemas. A história de
Harry Potter, por exemplo, é muito claro que é uma ficção, ninguém acredita; já o Código da
Vinci tem muitos elementos irreais e historicamente incompatíveis, mas eles são muito
mesclados com fatos verídicos, e muita gente lê acreditando que tudo é verdade.
Considero 50 tons de cinza um livro de ficção, e considero do tipo perigoso. Vou dizer por quê.
Sem medo de dar spoiler (seja porque nada mais desse livro é surpresa, ou porque meu
objetivo é afastá-los de ler/assistir), a história é sobre Anastasia, uma menina insegura, de 21
anos que se impressionou com a possibilidade de viver um romance com um homem muito
atraente e bilionário, o tão falado Christian Gray. Gray, no entanto, não é um homem
romântico e não é companheiro. Ele se revela como adepto de práticas sadomasoquistas
(BDSM), e deixa claro que essa é a condição para eles ficarem juntos. Anastasia, então, passa a
sofrer uma enorme pressão para ceder, sendo este o ponto em torno da qual o primeiro livro
gira.
O que tem, então, de tanta ficção? Este livro, assim como tantos mais, passa uma imagem que
estar com alguém, que se sentir “querida” é a coisa mais importante da nossa vida, e para isso
Anastasia negocia sua própria vontade, o respeito por si mesma e até seu bem estar físico. E o
mais triste, ao contrário do que parece, ela não troca isso tudo nobremente por amor.
"Como não?!"
Olhando toda pressão que Christian Gray faz sobre ela, toda a chantagem, toda a violência
física e psicológica, como poderíamos chamar isso de amor? Em um diálogo do livro, o
personagem chega a assumir que se satisfaz com ela chorando de agonia. Gente, amor é outra
coisa.
Mas se não é por amor, por que Anastasia insiste em ficar com ele? No inicio do livro, ela se
achava uma menina sem graça, solitária, e era virgem, fato que o livro faz questão de enfatizar como uma anomalia. E de repente, ela encontra alguém que se interessa por ela e tem a opção
de não estar mais sozinha. Li resenhas que pensam que ela se amarra a ele porque ele é rico,
ou porque lhe dá prazer sexual, mas acho essas duas opções seriam ainda piores que a
primeira... Ainda que exista esse tipo de dependência afetiva, acredito que é mais comum às
mulheres (e os homens, também!) se submeterem a relações muitas vezes abusivas por medo
de ficarem só.
Seja qual for o motivo, ela decidiu vender sua felicidade por um preço muito baixo.
O que há de mais perigoso, na minha opinião, é como uma ideia errada pode moldar a
impressão das pessoas dentro de um relacionamento. A postura de Anastasia faz muitas
pessoas acreditarem que viver em um estado de paixão intensa é condição para ser feliz.
Quantas mulheres comentam “nas internets” que adorariam viver um romance desses, que
adorariam achar um Christian Gray... Acontece que na vida real, uma relação que tira sua paz
não é algo bonito. Violência doméstica na vida real não é algo bonito.
E por outro lado, acho a história particularmente ofensiva para as mulheres, pois deixa a
impressão que mulher gosta de ser tratada com desrespeito, com violência, e que quando diz
“não” na verdade está dizendo “sim”. O livro passa a imagem de que uma mulher apaixonada é
capaz de tolerar abusos e seria um perigo que os homens acreditassem que isso é verdade. E
um perigo ainda maior se as próprias mulheres acreditassem...
Mas mesmo se eu discordar de tudo, qual o problema de assistir? Antes de tudo, acho muito
triste pensar que este tipo de enredo ganha tanta publicidade, e não quero financiar seu
crescimento. Mas mesmo sabendo que minhas duas horas e meus dez reais não fazem a
menor diferença para a indústria desse filme, eu deixaria de ir principalmente porque não
quero ser só mais alguma coisa levada pela correnteza.
Levando em conta o conteúdo da história, eu acredito que esse é um dos casos em que eu não
preciso assistir para poder criticar. Existe muita coisa boa para ser lida, vista e vivida, e não
vale a pena gastar meu tempo e encher meus pensamentos com coisas que eu não quero
dentro da minha cabeça.
Fernanda Gonzalez
Mestranda em Engenharia Urbana
Oficina de Valores
Oficina de Valores
*obs: Caso alguém se pergunte como posso comentar sobre algo que não li ou assisti, digo apenas que o filme e o livro foram tão comentados que julgo muito difícil alguém não conhecer os pontos principais do roteiro; além disso, tenho, já que meu tempo é escasso, o costume de buscar informações sobre minhas possíveis leituras (e sobre os filmes) antes de começá-las.
2 comments:
Parabéns! Se mais pessoas tivessem sua sensibilidade e lucidez, o filme não faria tanto mal ao imaginário coletivo mundial.
Oká!! Excelente texto!! Fico triste com a quantidade de pessoas que conheço que vão atrás disso... e tem tanta história de amor de verdade , com suas alegrias e dificuldades, para ser lida e assistida!!!
sonhos-e-suspiros.blogspot.com.br
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