Imagem: albertosolana.wordpress.com
“Eu tinha que ter
vindo mais cedo e sozinho. Os peixes se assustaram com o barulho de vocês.” A
voz de Pedro estava diferente da voz que João tinha se acostumado a ouvir nos
últimos anos. Durante o tempo em que passaram juntos, Pedro tinha se tornado
confiante, seguro. Uma voz que inspirava confiança. João não conseguia
identificar o que estava errado na voz de Pedro naquela manhã, mas certamente seu
humor não estava nada bem. Deve ser a
noite mal dormida. Fazia tempo que ele não pescava. Na verdade, “pescar”
não se aplicava muito bem ao que eles fizeram durante a noite. Até Tiago estava
surpreso com o fato de Pedro não ter conseguido fazer com que um só peixe
entrasse nas redes, a despeito das inúmeras tentativas. Definitivamente, foi
uma noite ruim.
“Peguem os remos, vamos voltar.” Seria temor? Pedro certamente parecia inquieto enquanto remava.
Bem, de certa forma, João conseguia entender o que se passava com ele. O que Pedro
mais queria agora era fazer algo no qual ele sabia que era bom, mas o lago
parecia ter zombado dele cruelmente a noite toda. Entre uma tentativa e outra,
Pedro passou a noite inteira andando de um lado para o outro na barca, resmungando.
Reclamava do calor, irritava-se com os insetos e praguejava quando, com
facilidade, puxava a rede vazia, apenas para lançá-la do outro lado, ou para
fazer com que todos levassem o barco mais para dentro do lago, em tentativas
cada vez mais desesperadas de salvar o tempo que eles tinham perdido.
Tiago remava com uma preguiça lânguida, como se quisesse
ficar ali também o dia todo. João podia compreender, também, um pouco o que
Tiago sentia. As águas, as aves e tudo o mais pareciam cansados, monótonos. O
dia estava meio nublado e a lentidão com que o sol se arrastava acima do
horizonte, naquelas primeiras horas da manhã, parecia ainda mais paciente do
que de costume. Até os peixes estão
tristes, pensou João quando começavam a se aproximar da margem. O que aconteceu? Como chegamos a este ponto?
João assustou-se quando percebeu que ele também não estava reconhecendo a si
próprio. O coração parecia estar nas mãos de um sentimento frio que rastejava
dentro de seu peito e tomava conta também dos seus pensamentos. Quanto tempo faz que eu não sentia... medo?
Os últimos três anos foram extraordinários. João aprendeu
muitas coisas, conheceu muitos lugares, fez grandes amigos. Mas isso não foi o
que realmente marcou João. O que mudou sua vida de modo radical foi conviver de
perto com o Mestre. João podia lembrar com clareza das primeiras palavras que
tinha ouvido de sua boca: “Vinde e vede!”
A profundidade do seu olhar tocava o espírito e conquistava tanto quanto sua
voz, que não só o tocava, mas o estremecia. Uma nova vez João tentou estimar o
quanto devia àquele convite e ao fato de tê-lo respondido. Devo a ele a alegria. Não, mais.
Devo a ele minha vida. Mais. Devo o
sentido da minha vida. Devo tudo que tenho, tudo que sou. Tudo...!
Foram os melhores anos da sua vida. Com tristeza, João percebeu
que sabia sim qual era esse medo que o dominava. Tenho medo desse tempo ter acabado... Será que realmente acabou?
Será que vai tudo voltar ao que era antes? Será que eles eram novamente meros
pescadores? Será que tudo o que resta é a decepção de ter encontrado algo tão
bom, mas que não pode mais ser alcançado? O
Mestre foi embora. Isso era tudo que João queria esquecer. O que Pedro
queria desesperadamente se convencer de que não era verdade.
“João! De olhos fechados você não consegue remar direito!” Definitivamente, medo. A voz vacilante
de Pedro retirou João de seus pensamentos. Ao abrir os olhos, João percebeu que
já estavam próximos da margem, e viu que Pedro olhava para ele da ponta da
barca. O olhar também está diferente.
“Amigos!” Um homem gritava e acenava para eles da margem.
Ainda estavam um pouco longe, e o sol estava exatamente atrás dele, o que
ofuscava a visão e impedia os que estavam na barca de ver claramente quem era. “Por acaso vocês não têm
aí algo para comer?”
“Não temos, amigo”, Tiago verificava a bolsa e, olhando para
Pedro, disse: “Já comemos tudo o que trouxemos e não pescamos nada essa noite”. Pedro
resmungou baixo algo incompreensível, certamente se lembrando da pesca ruim e ressentindo
o fato de que, para ele, os outros o culpavam pela noite ter sido um fracasso. O Mestre teria dado de comer a este pobre.
João se lembrava daquela tarde gloriosa. Milhares de pessoas os seguiam. Todos
se admiravam enquanto o Mestre discursava sobre amor, sobre pobreza, sobre justiça. Quando não havia mais comida, o Mestre ainda assim quis que todos
permanecessem com ele. João olhava para suas mãos, tocava sua boca. Minhas mão tocaram aqueles pães, minha boca
comeu aqueles peixes. Ele era, sem dúvida, o Filho de Deus.
“Nada? Mas o lago está cheio de peixes!” Por que ele teve que ir embora? “Lancem
a rede mais uma vez!”. Algo na voz daquele homem soava diferente. João ainda
não conseguia ver com clareza suas feições.
“Logo se vê que você não é pescador, para pedir algo assim”,
disse Pedro com as mãos sobre os olhos, tentando ver melhor o homem na praia. Ele nos salvou. Mas não podia ter ficado?
Havia algo mais forte do que medo no coração de João. Com as mãos no peito, ele
sentia aquele profundo aperto, a grande angústia só experimentada por quem
sente saudade de alguém muito amado. “Todo mundo sabe que não se pesca pela
manhã!” Saudade...
“Não seja rude com o forasteiro, Pedro”. Tiago disse
baixo. “Não custa nada tentar de novo.
Já pescamos muita quantidade de peixe durante o dia uma vez, não se lembra?”
Pedro lançou um longo olhar na direção de Tiago, mas na
verdade estava com o olhar perdido, como se
estivesse recordando-se de algo. “Bem”, falou de repente para o homem da
margem. “Suponho que podemos tentar novamente”. Desenrolando as redes, Pedro
colocou uma ponta na mão de João e se preparou para lançar.
“Ótimo! Mas lance à direita da barca...!” A barca estava agora mais próxima da margem e era possível escutar melhor a voz daquele homem. João tinha
agora certeza que a sua voz era realmente diferente. Não seria uma voz
familiar?
Pedro olhava para o homem, como se tentando reconhecê-lo. Uma
brisa passou pela barca e João percebeu que algumas gaivotas estavam brincando
no céu ali perto. Outros pássaros cantavam de algum lugar da praia. João estava
pronto para lançar a rede. “Pedro? Podemos lançar?”
Pedro, como se despertando de uma distração, se aprontou apressadamente e eles lançaram a rede. A rede afundava enquanto eles olhavam
para a água que refletia o céu azul límpido. Não foi um sonho, o Mestre ressuscitou. Já fazia dias que o Senhor
tinha aparecido para eles. Parecia mesmo um sonho. E como convencer o povo?
Aquele mesmo povo que o tinha crucificado? Se até mesmo Tomé duvidou, como
convencer aqueles que não o viram vivo?
Tomé... A rede
afundava, e João se lembrava daquele momento em que o Mestre apareceu para eles. Tomé colocou o dedo em sua ferida... A
rede já tinha afundado por completo. Ele soprou sobre nós... Pedro fez sinal para João puxá-la. E disse que estaria conosco até o fim dos
tempos...
Ao puxarem, perceberam que estava pesada. Antes mesmo de ver os
peixes, João compreendeu. “É o Senhor!” e apontou para o homem da praia. O sol
radiava sobre ele e agora não havia dúvida: o Mestre estava com eles!
Na mesma hora Pedro largou a rede e pulou na
água, enquanto Tiago se esforçava para pegá-la novamente. João sentiu uma
imensa alegria e sorriu. Ele está aqui,
perto de nós. Ele morreu por nós. Voltou por nós. E nunca mais vai embora...
Thales Bittencourt
Oficina de Valores
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