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Eu já fui o tipo de pessoa que tem pavor de pensar em maternidade. Quando me perguntavam se eu gostava de crianças, eu respondia que “sim, com batatas”. À parte do humor meio besta dessa brincadeira que eu fazia, de fato eu gostava (sempre gostei muito) de crianças, mas só da parte amiguinha da coisa: conversar com elas sempre me deu (e até hoje me dá) muito prazer, gosto de ouvi-las falar, puxar assunto, brincadeiras lógicas, mas a parte do xixi, do barulho e do gasto de dinheiro me davam verdadeiros arrepios. Óbvio que ser tia da criança mais incrível que eu conheço mudou muito isso em mim, mas ser tia e ser mãe, apesar de eu e meu marido nos fazermos muito responsáveis pela nossa sobrinha, são coisas distintas.
Paralelamente, sempre ouvi motivos que considerava injustos quando pessoas revelavam para mim que queriam ter filhos. “Ver a barriga crescer”, “sentir a emoção de gerar um ser humano”, “participar da criação”, “vivenciar o maior amor do mundo” soavam todos (e ainda me soam, ligeiramente) motivos egoístas: todos eles falam de si, da mãe e do pai que desejam trazer a criança ao mundo. Da felicidade e do amor que a mãe e o pai sentirão.
Então a minha reflexão sempre ia para a criança. O mundo, no geral, está uma porcaria, convenhamos. Eu pensava que era egoísmo demais querer sentir esse amor descomunal de que tanto falam colocando uma criança, o ser que você mais vai amar na vida, nessa selva maluca que chamamos de Terra. Pensava eu que o ser mais puro e indefeso do mundo, uma criança, especialmente aquela que nos vai ser mais cara e de nossa responsabilidade não merecia vir ao mundo maluco em que vivemos para satisfazer minha afetividade. Eu pensava (e descobri que muita gente pensa assim) que era mais magnânimo abrir mão de sentir isso para privar meu filho de sofrer nesse mundo.
O que mudou? Honestamente, não muito no quesito eu saber que o mundo está uma porcaria e morrer de preocupação de trazer minha filha pra cá.
Acontece que, quando amadureci um pouco a reflexão, percebi que eu ouvia apenas a parte egoísta (no sentido de pensar em si) da coisa. De fato vamos sentir o maior amor do mundo. Mas não é por isso que se tem filhos. Confesso que tenho “cozinhado” esse texto na minha cabeça faz umas três semanas, tentando responder minimamente a esse questionamento. Não sei, para além da necessidade biológica de perpetuação genética (já que somos seres muito mais que animais), porque se tem filhos. Meu marido diz sempre que é através dos filhos que vencemos a morte. Se fossemos ouvir a frase em simplicidade, poderíamos cair na armadilha de pensar naquele egoísmo de ter a criança para não enfrentar uma finitude muito arrebatadora.
A grande questão é que acredito que eu mascarava o meu egoísmo chamando aos outros de egoístas por quererem ter filhos. Era eu que não queria abrir mão de poder dormir à tarde no domingo; não desejava gastar dinheiro de viagens e restaurantes com escolas e fraldas. Era eu que queria preservar o silêncio da minha noite de sono e a liberdade limitada apenas pela minha vontade. Era eu a egoísta, que queria a esterilidade como saída para atender a mim.
A gravidez não me trouxe com clareza (e talvez nada traga) a percepção da grandeza do que seja a maternidade. Sofrer com a doença de um filho, privar-se de sono, de vaidade e de liberdade são pedaços, sim, do maior amor do mundo, mas também da maior doação que pode existir. Enganados estão aqueles casais que se colocam sem motivo grave no barco da infertilidade por quererem abertamente curtir o início do casamento ou se justificam dizendo que vão esperar alguns anos porque a vida está muito difícil. A vida nunca foi fácil. Não conheço ninguém que não esteja na luta. E, falo de cadeira, com toda certeza, a perspectiva de um filho vindo aumenta (nossa, muito) a força com a qual levantamos de manhã para trabalhar.
Nós driblamos a morte através dos filhos - não porque eles perpetuam nossa carga genética e nossa memória, mas porque eles garantem que nós evoluamos no nosso melhor, que nós nos esforcemos para dar o melhor exemplo, que nós descasquemos mais frutas, que paremos de atravessar a rua correndo, que leiamos livros, que sejamos a melhor versão de nós mesmos. Os filhos são a garantia que de nós daremos o nosso melhor para que eles vivam melhor. E se o mundo está de fato uma porcaria, ter filhos então passa a ser um motivo na coluna dos pró: eles provocarão (e se tornarão!) o melhor de nós. E, bom, se melhoramos a nós mesmos, melhoramos o mundo.
Nós driblamos a morte através dos filhos - não porque eles perpetuam nossa carga genética e nossa memória, mas porque eles garantem que nós evoluamos no nosso melhor, que nós nos esforcemos para dar o melhor exemplo, que nós descasquemos mais frutas, que paremos de atravessar a rua correndo, que leiamos livros, que sejamos a melhor versão de nós mesmos. Os filhos são a garantia que de nós daremos o nosso melhor para que eles vivam melhor. E se o mundo está de fato uma porcaria, ter filhos então passa a ser um motivo na coluna dos pró: eles provocarão (e se tornarão!) o melhor de nós. E, bom, se melhoramos a nós mesmos, melhoramos o mundo.
Uma grávida
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