Acredito que todos nós gostamos de música em algum nível. Muito ou pouco, todos nós já ouvimos música na vida. Algumas marcam bastante um momento específico de nossas vidas, outras parecem que foram compostas para nós. Em alguns casos nos identificamos com a letra, outras são simplesmente boas de se ouvir; sua melodia, seu arranjo, tudo nos cativa e nos agrada a ponto de ouvirmos de novo, e de novo e de novo...
O artista, nesse caso, o músico, é alguém que tem uma sensibilidade maior, que consegue traduzir em arte o que percebe do mundo ao seu redor, e até mesmo do que sente. Outras
pessoas não tem tanta facilidade, simplesmente sentem sem conseguir expressar.
Acredito que essa identificação que se dá com a música, também se dá com outras formas e expressões artísticas. Se nos despirmos de certos paradigmas sociais e culturais, podemos encontrar os mais diversos sentimentos ao observar um quadro ou uma escultura, seja de nomes consagrados como Van Gogh, Rembrandt, Picasso ou de artistas menos conhecidos.
Penso que isso acontece por utilizarem uma linguagem que nos toca e que, independente de nossa origem linguística, consegue se comunicar conosco como se estivesse falando a nossa língua; E na verdade estão. Estão falando uma linguagem universal que é compreendida por todos.
Muitas vezes nos esquecemos que somos todos seres humanos. Formamos uma humanidade, e que de alguma forma misteriosa estamos todos conectados - apesar de uma crescente vertente de individualismo que insiste em nos obrigar a acreditar que o mundo gira em torno do nosso umbigo. Esquecemos que nossas angústias, nossas dores, nossos medos, decepções e frustrações não são só nossos. Não somos os únicos a passar por eles.
Situações semelhantes as nossas acontecem com outras pessoas o tempo todo, a todo instante; e quando um artista capta isso, quando esse sentimento chega até ele, ele pega tudo isso e traduz em uma linguagem que se comunica diretamente conosco. Quando essa mensagem nos encontra, nos traz certo conforto justamente por nos lembrar, ainda que não seja de maneira consciente, que não estamos sozinhos em nossas lutas e em nossas alegrias.
Parar para contemplar uma obra de arte, seja qual for, nos faz lembrar que somos humanos. A arte nos humaniza porque ela é fruto de anseios humanos. A arte nos humaniza porque ela é a tradução da coisa mais humana que temos. A arte se comunica com aquilo que é próprio do humano, outros animais mais primitivos não se comunicam através de arte.
Essa comunicação também toca nas nossas misérias. Assim sendo alguém que seja mau, ainda que possa fazer uma boa música por exemplo, terá sempre a forte inclinação de transmitir o mau através dela; e se nos tornamos maus, isso afeta diretamente nossa arte. A arte é expressão da nossa humanidade, do que carregamos dentro de nós. Por isso, não me admira que em uma época onde a moral está cada vez mais torpe, nossas músicas também estejam. Em uma época em que as pessoas estão cada vez mais vazias e sem sentido para suas vidas, as letras das canções também estejam cada vez mais vazias de sentido.
Ao invés de expressarmos nossos sentimentos que nos humanizam, estamos enaltecendo na nossa arte, nossos instintos que, pelo contrário, nos animalizam. E assim, vemos cada vez mais a exaltação do corpo, do sexo e das drogas em nossa arte musical, em busca de um prazer hedonista e individualista. Nos afastamos da nossa natureza humana, e damos passos largos para uma natureza cada vez mais primitiva.
Esse processo se dá de forma, digamos, homeopática, e vamos aceitando pequenas variações, até chegarmos hoje em um estágio que as artes que antes eram populares, contempladas e admiradas por todos, são chamadas de clássicas, e consideradas chatas.
Como pessoa envolvida com música, acredito que os estilos musicais, sejam eles quais forem, são sempre muito bem vindos, e que cada momento no tempo histórico e no espaço geográfico, tem sua própria identidade musical. O que me assusta, é que hoje, independente de estilo, ou de lugar, as músicas não mudam quanto ao seu conteúdo. O funk carioca atual é tão xulo em suas letras, quanto o tecnobrega, o forró e o sertanejo universitário. O rock, o pop, e tantos outros estilos musicais não escapam a isso também. Todos valorizam a animalização instintiva do homem. E alguns poucos heróis, ainda conseguem compor canções que nos lembram da nossa humanidade, como que fosse um último suspiro de uma coisa que vou chamar de “consciência coletiva humana¹”, que tenta desesperadamente se manter, enquanto o processo de animalização vai se instaurando.
Não quero mais me alongar, só quero concluir clamando a todos que me leem nessas linhas, que pensem, o que as músicas que vocês tem ouvido tem suscitado em vocês? O quanto outras formas artísticas tem se comunicado com vocês, e o que elas tem suscitado? Se vocês vão a uma exposição de quadros ou de esculturas e não conseguem ver nada além de uma paisagem bonita ou figuras abstratas que não significam nada, penso que talvez esteja na hora de reverem alguns conceitos.
Cleber Kraus
Biólogo - Oficina de Valores
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2 comments:
Binho,
Nunca tinha pensado na cultura, em especial na música como algo que pode nos desumanizar.
Abraço,
Binho, ficou excelente o txt.
Faltou talvez considerar que este "retrato" atual da música, que vc pinta com muita propriedade, é fruto de uma "cultura de massa", própria da sociedade capitalisata, que visa o "lucro imediato". Quanto mais "instintivos, animalizados, primitivos" (para usar os termos q escoheste) nós formos, mais "consumidores" nos tornaremos - o q interessa à "indústria" como um todo.
É como sempre digo: ser "santo" não interessa a ninguém porque não dá retorno financeiro. Quem luta contra suas "perversões" acaba sendo um "pária" da sociedade, uma "pedra de tropeço". Afinal, se não bebo, não fumo, não me drogo, jogo, não me protituo... ora bolas, não estou dando lucro a ninguém. Queimem-me!, rs.
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