Como boa parte das pessoas de minha geração (e das seguintes também!), cresci assistindo Chaves e Chapolin. Os dois programas passavam um seguido ao outro durante o horário de almoço. Durante anos, foi uma espécie de ritual para mim chegar do colégio e almoçar assistindo essas duas séries. Mesmo quando o almoço saía antes, os deveres da tarde só começavam, de verdade, após as desventuras do polegar vermelho e das travessuras do menino que me fazia rir “sem querer querendo”.
Durante anos, tive uma predileção pelo Chaves; hoje, no entanto, quando recorro a minha memória, a saudade faz com que coloque os dois no mesmo nível. Lembro de frases e de sequências inteiras...
De um tempo para cá, percebi que um personagem do Chaves ganhou a fama de filósofo. Não preciso desenvolver muito para todos saberem que me refiro ao grande “Seu Madruga”. O pai da Chiquinha se tornou quase que um fenômeno da cultura de massa, com vários produtos estampando sua face e várias frases suas citadas nas redes sociais. Resolvi escrever este texto para comentar um de seus ditos mais famosos. Quem não lembra do episódio onde ele ensinou a todos os expectadores que “a vingança nunca é plena, mata a alma e envenena”?
Para tratar sobre tão sábio bordão vou recorrer a uma pouco gloriosa situação que vivi, no início de minha adolescência. Por volta dos meus doze anos, eu era um garoto de poucos amigos. Não que fosse isolado, mas sempre tive dificuldades em formar elos. Todos os anos, no entanto, possuía um ou dois que eram meus parceiros de conversas e trabalhos escolares.
Lembro que um dia estávamos eu e meu melhor amigo da época no ponto de ônibus quando ele apontou uma garota que eu já conhecia e disse: “Chama ela de Valdemar para você ver”. Eu, movido pelo desafio, na mesma hora gritei: “Êeeee Valdemar!” Em uma velocidade recorde, a menina veio em minha direção e me deu um grande tapa na cara! Caso o leitor não entenda o drama para um garoto tomar um tapa na cara, cabe ressaltar que o ponto estava lotado com várias pessoas conhecidas e que o tapa foi cinematográfico, praticamente coreografado em todos os seus detalhes.
Não sei se por medo ou espanto, não reagi na hora; mas devo dizer que, naquele dia, aprendi o que era odiar. Não posso dizer que eu pensava o tempo todo na minha honra maculada, mas sempre que lembrava daquela garota ficava com muita raiva. O episódio me marcou tanto que até hoje, quando rio da situação, lembro bem o nome da “vilã”: Ana Paula.
Não sei se senti tanta raiva de alguém antes disso. Infelizmente senti algumas (embora poucas) vezes depois. O que vale dizer é que, durante anos, vez por outra, quando a imagem vinha à minha mente eu passava alguns minutos planejando uma possível vingança. Não lembro dos planos, mas sei que, na minha imaturidade fiz alguns. Graças a Deus, não os coloquei em prática. Sei que isso ocorreu em parte porque não tive oportunidade; mas gosto de pensar que não agi também porque, ainda que novo, já sabia que aquele não era o melhor caminho. Embora não ficasse lembrando, devido às diversas repetições já havia ouvido vezes demais que a “vingança nunca é plena”.
Meus ódios me fizeram perceber algumas coisas que depois pude confirmar nos livros. A primeira coisa que percebi é que a projeção da vingança traz prazer. Durante os momentos em que passava pensando em como seria retribuir minha humilhação, sentia uma espécie, não de alegria, mas de satisfação ao imaginar o sofrimento devolvido. E devolvido com juros. Como segunda percepção, aponto que a vingança nunca fica na lógica do “olho por olho”. Não desejamos devolver a ofensa, mas fazer com que o outro, como punição, se sinta pior do que nós.
Por fim, aprendi que odiar alguém, por mais que não pareça, é uma escolha. Percebo que, nas vezes em que nutri uma raiva contínua por algo que alguém fez, eu queria continuar sentindo aquilo. Quando alguém ou minha própria consciência apontava que aquela pessoa podia ser perdoada, eu achava absurdo. Como eu poderia deixa passar? Seria uma humilhação deixar aquilo de lado? O que os outros iriam pensar?
Com o tempo, tive a alegria de aprender que a famosa frase do Seu Madruga possuía mais profundidade do que era capaz de imaginar na minha infância. Aprendi isso ao perceber que o ódio só gera prazer por projeção, e que a vingança, quando atingida, é frustrante; que o mal devolvido multiplicado se torna uma espécie de projeção geométrica sem fim; e que, por mais difícil que seja, escolher pelo perdão é a única maneira de ser realizado. A profundidade da frase do grande Don Ramon talvez seja maior do que muitos adultos podem conceber.
A vingança realmente nunca é plena porque não plenifica, ou seja, não faz com que aquele que a pratica seja mais realizado. O mal devolvido, por mais que pareça, não apaga o mal sofrido. Não estou dizendo que sou contrário à justiça. Acredito que a punição de uma falta possui caráter pedagógico e que ações ruins possuem consequências ruins. Só digo que tomar como projeto devolver a dor só causa mais dor.
A vingança mata a alma e envenena porque faz com que tempo e energia sejam gastos mais em destruir o outro do que em construir a si. Sempre gostei de super-heróis e algo que me encantou em suas histórias era que eles não matavam! E mais: estavam dispostos a serem bons com quem agiu mal para com eles. Não lembro quando li pela primeira vez uma explicação, dada várias vezes e por diversos personagens: “Eu não os mato porque se o fizesse me tornaria aquilo que combato.” O risco que alguém corre quando faz tudo para se vingar do vilão é acabar se tornando um vilão no final de tudo.
Seu Madruga tomou muitos tapas e nunca se vingou. Eu levei um que, graças aos céus, foi perdoado também. O perdão me fez bem na medida em que me permitiu rir de um episódio infantil e não tornar tal situação uma fonte de amargura. Talvez grande parte do sucesso do pai da Chiquinha seja devido ao fato de percebermos nele uma força que necessitamos. A força daqueles que sabem que “as pessoas boas devem amar seus inimigos”.
Alessandro Garcia
Mestre em sociologia - Coordenador da Oficina de Valores
3 comments:
Você xingando a garota, errou primeiro. E não acredito que você a perdoou, até por que se a tivesse perdoado você teria reconhecido, no mínimo, que errou primeiro. Você foi o vilão. O tapa dela não justifica, mas chamá-la de um apelido que agrediu ela, também não o justifica.
Fique em paz.
Olá anômimo...
Concordo com você que meu erro veio primeiro. Por isso o termo "vilã" colocado entre aspas no texto. Espero que era também tenha me perdoado.
Forte abraço,
Ainda bem que a vida lhe mostrou que ficar quieto perante uma situação tão difícil foi a melhor escolha, fique com Deus.
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