Se os velórios nos ensinam alguma coisa é que a morte tem o estranho poder de calar-nos. Não que todos os que velam um defunto fiquem em silêncio, muito pelo contrário. Há até certo falatório. Em tom baixo, claro. Muitos às vezes deixam a sala onde está o corpo do falecido para bater papo pelos corredores da funerária. No entanto quando chega a hora de de se aproximar daquele que perdeu um ente querido as palavras faltam. Nessa hora normalmente existem poucas alternativas: as frases feitas do tipo “ele está em lugar melhor” ou “Deus quis assim”; o polido “meus pêsames” que soa vazio e estranho; o abraço silencioso...
A morte nos cala porque parece ser um grande contrassenso, uma piada de mau gosto, um absurdo no qual preferimos não pensar. Para quem perde um familiar ou amigo, o mundo se
torna incompleto. Embora os ecossistemas possam continuar em equilíbrio, uma presença essencial se foi. Para aqueles que ficam, esta ida lembra que um dia iremos também. Diante de tal situação é difícil não nos sentirmos incomodados...
Algumas pessoas já me procuraram para falar sobre a morte. Alguns alunos, por exemplo, abriram seu coração e expuseram as questões existenciais que advém do fato de que, mais cedo ou mais tarde, nós não estaremos aqui. Tais alunos falam sobre uma angústia séria e sempre me sinto honrado com a confiança em mim depositada por aqueles partilham tais dramas comigo. Dirijo este texto principalmente a eles. Várias vezes não soube o que dizer e talvez continue não sabendo direito, mas hoje tento colocar em palavras algumas intuições que talvez possam ajudar.
Os antigos epicuristas possuíam uma teoria interessante sobre a questão da morte. Diziam eles que não devemos nos importar com ela, afinal a morte nunca nos encontrará. Quando nós estamos aqui, ela não está; quando ela chegar, nós não estaremos mais. Devo admitir que vez por outra rio desta idéia e, embora reconheça que possua nuances interessantes, ela nunca me satisfez. Não satisfez porque todo o problema está justamente no fato que já expus acima. Um dia eu não estarei aqui. Livros muito interessantes serão publicados e não poderei lê-los; piadas serão contadas e não poderei gargalhar...Tudo continuará e eu não mais desfrutarei.
Antenar-se para este fato gera uma sequência de perguntas que dificilmente podem ser caladas. O que devo fazer com meu tempo? Há um sentido para vida? No fim desta vida há um nada ou, em outro plano, minha vida continua? Certos psicanalistas afirmam ser a questão do sentido da vida uma pergunta praticamente neurótica e a angústia frente a morte certo tipo de patologia. Discordo deles e acredito serem estas as mais humanas das questões. Fugir delas é não permitir que um fato, um dramático fato, nos afete. Ignorar a morte é ignorar um dado importante de nossa humanidade.
Sempre elogio meus alunos quando se angustiam frente a morte. Digo que a vida deles não pode parar por aí, que se fechar ao hoje porque talvez não estejamos aqui amanhã é uma burrice; digo também que essa questão os ferirá e que é esse é o preço que se paga quando não se é superficial. Por fim digo que essa questão pode levá-los a descobrir respostas que podem mudá-los para melhor.
Saber que vamos morrer deve nos fazer valorizar o agora. Saber que em algum momento seremos privados da presença daqueles que amamos ajuda a valorizar o fato de que estão aqui hoje. Saber que um livro maravilhoso terá fim é algo que incomoda, mas ao mesmo tempo faz que com valorizemos mais cada página, cada linha. Costumo dizer que só vale a pena viver pelo que vale a pena morrer e, penso que em última instância a vida de alguém é a resposta que essa pessoa dá a questão “pelo que eu morreria?”.
A morte também nos obriga a uma metafísica. Tenho dificuldade em acreditar que diante do fim alguém possa não se posicionar frente ao mundo. Podemos morrer ateus ou crentes. Dificilmente agnósticos. E mesmo que, antes de perecer, alguém creia que as questões sobre “a vida, o universo e tudo mais” não possam ser respondidas, não consigo imaginar alguém que morra sem a esperança de estar errado.
Respeito muito os ateus. Muito mesmo. O ateu afirma que tudo acaba em nada e que o vazio tem a palavra final. Sei que boa parte não se importa com isso e vive a vida quase toda sem se colocar estas questões. Há alguns, entretanto, que não conseguem viver como se não fossem morrer. Penso em Sartre e Camus. O preço que pagam corajosamente é alto. Uma angústia que beira o desespero, afinal quanto melhor a vida, mais doída é a morte porque mais ela tem a tirar.
Do outro lado estão aqueles que afirmam que a morte não é um muro, mas uma ponte. Conheço bem a crítica de Freud que afirma que as religiões são fruto de uma fuga da realidade. Segundo ele, o medo desesperador do nada faz com que criemos um céu fictício. Dessa maneira a crença na vida eterna deve ser pensada como algo para covardes ou doentes.
Confesso que nunca entendi essa lógica freudiana. O fundador da psicanálise simplesmente diz que a vida eterna não existe porque desejamos muito que ela exista. É mais ou menos como dizer para um homem sedento que não existe água porque ele tem sede. Claro que os desejos podem nublar nossa visão, mas não é menos verdade que o desejo pode ser o início de um novo conhecimento. É nisso que aposto.
Correndo o risco de cair em um velho clichê, penso que a morte existe para lembrar que esse mundo, embora maravilhoso, não é suficiente. A morte nos força a pensar para além de nossos estômagos e a perceber a vacuidade de vidas sem sentido. O fim coloca a questão do sentido. O que venho afirmar hoje é que sinceramente acredito que existe sentido para além do fim, ou daquilo que julgamos ser o fim.
Os argumentos materialistas não me convencem. A existência do transcendente é indicada pela razão e corresponde às profundas exigências do coração. Gabriel Marcel certa vez disse que “amar é poder dizer tu não morrerás jamais”. É fabuloso saber que todos podemos dizer isso; ao mesmo tempo é frustrante saber que não podemos cumprir aquilo que não conseguimos deixar de dizer.
Felizmente há alguém que possui capacidade de tornar fato essa promessa. Deus diz: “tu jamais morrerás e aquilo que julgas um muro é apenas uma ponte. Uma ponte desagradável, mas infelizmente necessária.” Como em Deus o desejo coincide com a capacidade temos uma excelente razão para ter esperança. Podemos nos alegrar por ouvir e por poder continuar dizendo: “Tu não morrerás jamais”. Há alguém que cumprirá a promessa em nós e por nós.
Como disse no início, a morte tem o poder de calar-nos. No entanto é algo sobre que precisamos falar. Hoje tentei balbuciar algumas ideias que, diante do drama da perda, parecem insuficientes. Apesar disso, quis comunicá-las, afinal é isso que penso. É nisso que creio. E é isso o que, por enquanto, tenho a dizer.
A morte nos cala porque parece ser um grande contrassenso, uma piada de mau gosto, um absurdo no qual preferimos não pensar. Para quem perde um familiar ou amigo, o mundo se
torna incompleto. Embora os ecossistemas possam continuar em equilíbrio, uma presença essencial se foi. Para aqueles que ficam, esta ida lembra que um dia iremos também. Diante de tal situação é difícil não nos sentirmos incomodados...
Algumas pessoas já me procuraram para falar sobre a morte. Alguns alunos, por exemplo, abriram seu coração e expuseram as questões existenciais que advém do fato de que, mais cedo ou mais tarde, nós não estaremos aqui. Tais alunos falam sobre uma angústia séria e sempre me sinto honrado com a confiança em mim depositada por aqueles partilham tais dramas comigo. Dirijo este texto principalmente a eles. Várias vezes não soube o que dizer e talvez continue não sabendo direito, mas hoje tento colocar em palavras algumas intuições que talvez possam ajudar.
Os antigos epicuristas possuíam uma teoria interessante sobre a questão da morte. Diziam eles que não devemos nos importar com ela, afinal a morte nunca nos encontrará. Quando nós estamos aqui, ela não está; quando ela chegar, nós não estaremos mais. Devo admitir que vez por outra rio desta idéia e, embora reconheça que possua nuances interessantes, ela nunca me satisfez. Não satisfez porque todo o problema está justamente no fato que já expus acima. Um dia eu não estarei aqui. Livros muito interessantes serão publicados e não poderei lê-los; piadas serão contadas e não poderei gargalhar...Tudo continuará e eu não mais desfrutarei.
Antenar-se para este fato gera uma sequência de perguntas que dificilmente podem ser caladas. O que devo fazer com meu tempo? Há um sentido para vida? No fim desta vida há um nada ou, em outro plano, minha vida continua? Certos psicanalistas afirmam ser a questão do sentido da vida uma pergunta praticamente neurótica e a angústia frente a morte certo tipo de patologia. Discordo deles e acredito serem estas as mais humanas das questões. Fugir delas é não permitir que um fato, um dramático fato, nos afete. Ignorar a morte é ignorar um dado importante de nossa humanidade.
Sempre elogio meus alunos quando se angustiam frente a morte. Digo que a vida deles não pode parar por aí, que se fechar ao hoje porque talvez não estejamos aqui amanhã é uma burrice; digo também que essa questão os ferirá e que é esse é o preço que se paga quando não se é superficial. Por fim digo que essa questão pode levá-los a descobrir respostas que podem mudá-los para melhor.
Saber que vamos morrer deve nos fazer valorizar o agora. Saber que em algum momento seremos privados da presença daqueles que amamos ajuda a valorizar o fato de que estão aqui hoje. Saber que um livro maravilhoso terá fim é algo que incomoda, mas ao mesmo tempo faz que com valorizemos mais cada página, cada linha. Costumo dizer que só vale a pena viver pelo que vale a pena morrer e, penso que em última instância a vida de alguém é a resposta que essa pessoa dá a questão “pelo que eu morreria?”.
A morte também nos obriga a uma metafísica. Tenho dificuldade em acreditar que diante do fim alguém possa não se posicionar frente ao mundo. Podemos morrer ateus ou crentes. Dificilmente agnósticos. E mesmo que, antes de perecer, alguém creia que as questões sobre “a vida, o universo e tudo mais” não possam ser respondidas, não consigo imaginar alguém que morra sem a esperança de estar errado.
Respeito muito os ateus. Muito mesmo. O ateu afirma que tudo acaba em nada e que o vazio tem a palavra final. Sei que boa parte não se importa com isso e vive a vida quase toda sem se colocar estas questões. Há alguns, entretanto, que não conseguem viver como se não fossem morrer. Penso em Sartre e Camus. O preço que pagam corajosamente é alto. Uma angústia que beira o desespero, afinal quanto melhor a vida, mais doída é a morte porque mais ela tem a tirar.
Do outro lado estão aqueles que afirmam que a morte não é um muro, mas uma ponte. Conheço bem a crítica de Freud que afirma que as religiões são fruto de uma fuga da realidade. Segundo ele, o medo desesperador do nada faz com que criemos um céu fictício. Dessa maneira a crença na vida eterna deve ser pensada como algo para covardes ou doentes.
Confesso que nunca entendi essa lógica freudiana. O fundador da psicanálise simplesmente diz que a vida eterna não existe porque desejamos muito que ela exista. É mais ou menos como dizer para um homem sedento que não existe água porque ele tem sede. Claro que os desejos podem nublar nossa visão, mas não é menos verdade que o desejo pode ser o início de um novo conhecimento. É nisso que aposto.
Correndo o risco de cair em um velho clichê, penso que a morte existe para lembrar que esse mundo, embora maravilhoso, não é suficiente. A morte nos força a pensar para além de nossos estômagos e a perceber a vacuidade de vidas sem sentido. O fim coloca a questão do sentido. O que venho afirmar hoje é que sinceramente acredito que existe sentido para além do fim, ou daquilo que julgamos ser o fim.
Os argumentos materialistas não me convencem. A existência do transcendente é indicada pela razão e corresponde às profundas exigências do coração. Gabriel Marcel certa vez disse que “amar é poder dizer tu não morrerás jamais”. É fabuloso saber que todos podemos dizer isso; ao mesmo tempo é frustrante saber que não podemos cumprir aquilo que não conseguimos deixar de dizer.
Felizmente há alguém que possui capacidade de tornar fato essa promessa. Deus diz: “tu jamais morrerás e aquilo que julgas um muro é apenas uma ponte. Uma ponte desagradável, mas infelizmente necessária.” Como em Deus o desejo coincide com a capacidade temos uma excelente razão para ter esperança. Podemos nos alegrar por ouvir e por poder continuar dizendo: “Tu não morrerás jamais”. Há alguém que cumprirá a promessa em nós e por nós.
Como disse no início, a morte tem o poder de calar-nos. No entanto é algo sobre que precisamos falar. Hoje tentei balbuciar algumas ideias que, diante do drama da perda, parecem insuficientes. Apesar disso, quis comunicá-las, afinal é isso que penso. É nisso que creio. E é isso o que, por enquanto, tenho a dizer.
Alessandro Garcia
Mestre em Sociologia - Coordenador da Oficina de Valores
3 comments:
Quanto mais pensamos nesse assunto, mais nos confundimos. Porém, filosofar sobre assuntos como a morte acaba nos tornando mais "fortes" psicologicamente e espiritualmente. Dizer que o céu é algo fictício para nos confortar durante a vida é um forte argumento, mas ao comparar com a idéia do homem sedento quando não existe água, o argumento de Freud é facilmente vencido. As idéias sobre a morte se encaixam na teoria da dialética de Hegel, onde toda Tese terá uma Antítese, que resultará numa síntese. Esse ciclo permanecerá até que chegue em uma síntese perfeita, uma conclusão que nunca poderemos chegar em vida. Talvez a morte nos apresente a Síntese, a tese perfeita?
Maravilhoso o texto, Alessandro! Obrigado por ele. A parte que mais gostei, em nível existencial foi essa:
Saber que vamos morrer deve nos fazer valorizar o agora. Saber que em algum momento seremos privados da presença daqueles que amamos ajuda a valorizar o fato de que estão aqui hoje. Saber que um livro maravilhoso terá fim é algo que incomoda, mas ao mesmo tempo faz que com valorizemos mais cada página, cada linha. Costumo dizer que só vale a pena viver pelo que vale a pena morrer e, penso que em última instância a vida de alguém é a resposta que essa pessoa dá a questão “pelo que eu morreria?”.
Quanto a crítica frente ao posicionamento psicanalítico, eu concordo mt, e achei clara e boa a forma como vc colocou. A conclusão foi sensacional, fechou com chave de ouro mesmo.
Alessandro, qdo eu crescer quero ser q nem vc! Rsrs
SENSACIONAL O TXT!
Tô querendo publicar no meu blog tb, posso?
Qto à questão proposta, a resposta melhor, a meu ver, é a de Jesus: "A cada dia basta o seu cuidado!" Se aprendêssemos a aproveitar bem o presente, realizando a vontade de Deus a cada momento, não seríamos surpreendidos qdo a morte chegasse e não haveria, decerto, frutrações ou arrependimentos a equacionar. Penso q foi Sto. Agostinho q respondeu q, se o mundo acabasse, queria ser encontrado fazendo exatamente o q estivesse fazendo. Ô confiança plena de viver em Deus. Eu chego lá, se Deus for servido.
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