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#AvanteOficina

Por: Alessandro Garcia
Recentemente uma famosa atriz brasileira, em entrevista, declarou ser ateia. Não tenho nada contra alguém declarar sua não crença. Julgo a liberdade religiosa um dos direitos humanos mais fundamentais e, ao contrário do que a antiga URSS propagava, não existe liberdade de credo se não existir liberdade de propaganda de tal credo. Fico feliz por viver
em um país que permite que alguém declare publicamente sua fé ou a falta dela.

Desejo, neste texto, exercer a mesma liberdade que a atriz exerceu, e quero fazer isso para dizer que achei algumas de suas declarações absurdas e outras preocupantes.

Conheço bastante os argumentos ateus clássicos; li Feuerbach, Marx, Freud. Também tive contato com obra de ateus contemporâneos como Dawkins. Quando leio tais autores discordo, mas me aproximo com certa reverência, como alguém que conversa com um sábio antagonista. Ou melhor, os escuto com atenção porque sei que mesmo que discordemos na resposta concordamos com a importância da questão.

No caso das declarações da atriz, percebi apenas confusão, contradição e soberba. Não que esperasse a profundidade de um filósofo, mas julgo a questão levantada por ela tão relevante que sempre espero que os que se posicionam publicamente sobre ela tenham pensado um pouco mais profundamente. É interessante notar que os grandes posicionamentos sobre a religião, sejam de um lado, sejam do outro, saem tanto da boca dos instruídos quanto dos que pouco estudaram. A metafísica não é monopólio de poucos.

Para tornar este artigo menos confuso, selecionei, para comentar, apenas algumas das declarações da atriz:


“A cada dia estou mais realista. É estranho isso, mas eu tenho acreditado cada vez mais em poucas coisas.”

“A atriz diz que hoje acredita em “nada além de energia””.
 
 “Eu acredito em mim, tenho fé em mim. Eu sou meu próprio Deus. Sou escrava da minha própria criação.”

Confesso que ri de algumas destas declarações e me espantei com outras. Imagino o quanto seja difícil para uma celebridade ter que falar sobre tudo e mais um pouco. Em instantes atores e atrizes são eleitos autoridades sobre o mundo e seus mistérios; além disso, sei como discursos podem ser distorcidos pela imprensa. Por isso, me focarei no que foi escrito na matéria, sem fazer tantos juízos sobre a “estrela global”. Na verdade, só escrevo este texto porque julgo que as declarações dadas refletem um momento cultural e não uma mera opinião individual.

A primeira coisa que me saltou aos olhos quando li o texto sobre a entrevista foi a grande quantidade de contradições em tão curto espaço. Para exemplificar vou colocar uma das ideias de uma maneira mais direta: “Sou ateia, mas creio em energia. Sou pragmática e creio em cada vez menos coisas”.

Creio que a referência à energia não diga respeito à eletricidade ou calor. Sendo sincero, não sei do que falam os que falam em tal energia. O conceito, pelo que ouço, é vazio e presta-se a qualquer coisa. Parece uma espécie de fuga da questão. Não há a adesão a um credo e assim é possível ficar bem com os materialistas; por outro lado não há a total negação dos apelos transcendentes, ele apenas se torna algo bastante ralo.

Ao ler a entrevista, lembrei de uma situação na universidade que me marcou muito. No último ano de graduação fiz uma disciplina que consistia apenas na leitura do livro Casa Grande e Senzala do Gilberto Freyre. Em determinada parte do livro é tocada na questão das superstições. Quando discutíamos tal assunto, minha professora, uma antropóloga de renome, perguntou quem na sala não tinha nenhuma superstição ou mandinga. Para minha surpresa apenas eu (um cristão) e um amigo ateu levantamos a mão. Todos os outros tinham algum rito ou cisma mágica. O mais interessante é que boa parte da turma era composta por ateus e agnósticos.

Parece que o ateísmo popular contemporâneo não é coerente o suficiente a ponto de banir a magia. Substitui a religião pela superstição. Isso me faz pensar se essa fuga mágica não seria um indício de que o sobrenatural é intrínseco ao humano e que o ateísmo é uma artificialidade dificilmente mantida mesmo por aqueles que o professam.

Confesso, no entanto que o que mais me assustou na entrevista não foram os paradoxos. O que me causou grande espanto foi a declaração: “Eu sou meu Deus”. Na mesma hora lembrei de Chesterton dizendo: deixem o homem adorar o Sol, Lua ou qualquer coisa. Só não o permitam adorar a si mesmo. A atriz não disse “eu sou divina”, com o que talvez muitos pudessem concordar e que até, de um ponto de vista cristão, poderia fazer sentido. Disse: Eu sou Deus. Interessante pensar que muitos do que julgaram isso no passado acompanharam os Napoleões em hospícios.

Quando alguém diz “eu sou Deus”, se realmente tem noção do que afirma (e não acho que esse seja o caso da atriz), está dizendo: de tudo o que eu conheço, de todas as pessoas que encontrei, de todas as maravilhas que vi, julgo ser eu a mais digna de adoração – afinal, é isso que um Deus digno de tal título é. Quando penso nisso sinto pena e medo. Pena porque aquele que pensa assim escolhe viver em um mundo pequeno onde possa caber o próprio ego e vive uma espécie de solidão que só experimentam aqueles que se julgam superiores a tudo e a todos. Por outro lado sinto medo porque mesmo quem se julga Deus continua sendo humano e tem falhas que corre o risco de sacralizar. Uma divindade que não é perfeita, mas que diviniza seus vícios é algo a ser temido. Não é a toa que o culto ao “eu” é a pior das idolatrias.

C. S. Lewis escreveu um livro que muito me marcou chamado “Screwtape Letters”, que no Brasil foi traduzido como “Cartas de um diabo ao seu aprendiz”. Neste livro é utilizado um recurso narrativo muito interessante: um diabo experiente escreve ao seu sobrinho diversas cartas dando toques práticos sobre como tentar um ser humano. Tendo este pano de fundo, Lewis discorre sobre diversos assuntos, entre eles as condições do mundo contemporâneo. Em determinado momento Screwtape (o diabão) aconselha mais ou menos assim a Wormwood (o diabinho):

“Você é ingênuo ao fazer com que aquele que você tenta leia livros que neguem a religião. Você está fazendo com que ele reflita. Seu trabalho não é fazer com que ele pense coisas erradas, mas fazer com que ele não pense”.
 
Respeito muito os ateus que não acreditam porque julgam a religião falsa, afinal esta é a única boa razão para alguém não acreditar. Respeito desde que pensem. O que me incomoda é olhar uma cultura superficial que diviniza o próprio egoísmo e que se aprisiona em superstições irracionais. Pelo menos neste ponto tenho que reconhecer que a atriz foi coerente: reconheceu sua própria escravidão.

Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia
Fundador da Oficina de Valores

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