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Vez por outra,
um aluno aproxima-se pedindo indicações de livros. Lembro que há poucos dias,
uma dupla de estudantes me procurou dizendo o seguinte: “Professor, o senhor
pode fazer uma lista de livros para nós? Não livros para a matéria não, mas de
literatura para nós lermos.” Confesso que, nesses momentos, abro um sorriso de
orelha a orelha de tanta felicidade.
Indicações de
leitura só são pedidas quando certa
identificação ocorreu e um laço de confiança se formou. Não que haja uma
concordância de ideias, mas, quando algo assim acontece, há o reconhecimento do
outro como alguém com quem vale a pena conversar. Quando um aluno solicita uma
dica sobre o que ler, penso que meu papel de professor foi cumprido e o desejo
pelo saber foi gerado. Além disso, ao me pedir um livro, por mais que não
pareça, uma relação de igualdade está sendo estabelecida. O discípulo está se
tornando
parceiro de diálogo na medida em que, paulatinamente, vai conhecendo minhas fontes e posicionando-se de forma própria perante elas.
parceiro de diálogo na medida em que, paulatinamente, vai conhecendo minhas fontes e posicionando-se de forma própria perante elas.
Há também outro
motivo pelo qual fico feliz diante da situação que descrevi acima: amo ler e
julgo que poucas coisas têm tanta capacidade de alegrar quanto compartilhar os
hábitos que despertam nosso amor. Sou daqueles que já passaram vergonha por
tentarem ver a capa do livro que um desconhecido está lendo no ônibus. A meu
ver, a leitura é um dos grandes privilégios da vida humana. E digo isso sem
medo de estar exagerando.
Clichês sobre o
hábito de leitura são mais do que comuns. Quem nunca ouviu o famoso “quem lê
viaja” ou outros bordões do tipo? Os clichês são um via de mão dupla. Com o
tempo enjoam e correm o risco de esconder aquilo que buscavam revelar. Apesar
disso, dificilmente um clichê não guarda uma verdade. A leitura realmente
amplia o mundo e oferece camadas diferentes ao cotidiano.
Os livros
cristalizam as palavras e, por isso,
ampliam a possibilidade de conversa. Através das letras em uma página
(ou uma tela) posso ter mestres geniais como Aristóteles, engraçadíssimos como
Chesterton e Guareschi, sensíveis como
Fernando Pessoa . Além disso, posso “ouvir”
contadores de histórias como Machado de Assis ou Tolkien. O livro é um
instrumento humano que busca vencer o tempo e o espaço a fim de permitir que
grandes palavras não se percam com o vento.
Pelo que ouvi
dizer, no Brasil mais pessoas estão lendo. Não sou ingênuo a ponto de dizer que
isto irá mudar radicalmente o Brasil, mas afirmo que esta já é uma feliz
mudança. É bom que mais pessoas leiam e é bom por diversos motivos. Primeiro
porque a leitura tem a estranha capacidade de nos ajudar a pensar. Claro que a
relação não é mecânica. Ninguém é mais aberto ao conhecimento simplesmente
porque lê mais; no entanto, o contato com a reflexão de outros levanta
questões, gera incômodos, provoca inquietações; ao mesmo tempo, conforta saber que outras pessoas fizeram
perguntas parecidas com as que fazemos hoje e que suas respostas iluminam
nossos caminhos.
Além de nos
transmitir saber, os livros tocam nosso sentir. Lembro até hoje a sensação
mista de alegria e saudade que experimentei ao fim de “O Senhor dos
Anéis”, da vibração vivenciada no
princípio da adolescência quando li “As Aventuras de Robin Hood, do engasgo
seco e da solidão que vieram do contato com “A Metamorfose” do Kafka e com “A Morte de Ivan Ilitch” de
Tolstoi.
Apesar de mais
pessoas estarem com livros nas mãos e nos olhos, vejo dois preconceitos que
ainda atrapalham bastante. O primeiro é o de que ler é chato. O segundo diz que
a leitura é algo que deve ser reservado para uma espécie de elite. Preconceitos
possuem grande força, mas caem quando confrontados com a realidade.
Ler não é chato,
embora alguns livros, com certeza, o sejam. É claro que o investimento de tempo e
atenção feitos em um livro normalmente são maiores que os que dispensamos a um
programa de TV; cabe não esquecer que a recompensa usualmente também é
superior. Também é importante lembrar que o elemento gosto sempre estará
presente: algumas pessoas amam
biografias, outras não suportam. Alguns se emocionam com épicos de fantasia,
outros têm preferência por enfoques mais realistas. Há aqueles que preferem
usufruir de informações, outros de ficções. Existem também os que gostam de
tudo...Os livros não são fins, são meios. Não são nem mesmo os tesouros, mas os
baús onde são encontrados ou as minas de onde são escavados.
Poderia tentar
mapear onde na história surgiu esta ideia de que livros são para poucos. Não
vou fazer isso. Contento-me apenas em dizer que em certo momento essa realmente
foi a realidade. Seja porque os livros custavam verdadeiras fortunas, seja
porque a maior parte da população era analfabeta. Não digo que vivamos no
melhor dos mundos possíveis, mas é importante reconhecer melhoras nos dois âmbitos mencionados. Mesmo
com todo o analfabetismo funcional, o ensino abrange parcelas cada vez maiores
da população; ainda que existam livros com preço um tanto quanto salgado, obras
bem interessantes podem ser compradas por dez reais.
Sei que a
questão da resistência à leitura é tanto cultural quanto econômica. Sei também que há
mudanças significativas e positivas. Mudanças, no entanto, ocorrem de maneira
mais rápida quando há compromisso por parte dos que as desejam. Penso que algumas pequenas atitudes podem contribuir bastante. Como exemplo cito as seguintes:
1 – Buscar, na medida do possível, gastar mais tempo com a leitura. 2 – Dar
livros de presente ou, aos menos, boas indicações. 3 – Buscar falar com naturalidade daquilo
que se leu, tal como se fala de um jogo de futebol. Não se trata de ser chato
ou esnobe, mas de comunicar boas experiências que fizemos. Como é triste ver
que há pessoas que têm vergonha de serem leitores.
Alessandro Garcia
Douturando em Sociologia / Fundador da Oficina de Valores
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