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Viktor Frankl costumava dizer que a neurose típica de nosso tempo é a neurose noogênica. Esta neurose caracteriza-se pela ausência de um sentido para a vida. Sentido aqui tem duas conotações: em uma primeira podemos considerar sentido como rumo, objetivo; na segunda tratamos sentido como sinônimo de significado. Parece que Frankl acredita que a sensação de que não há rumo torna difícil acreditar que a vida signifique algo.
É difícil viver quando não há critério para
discernir o que vale e o que não vale, onde é o “em cima” e onde é o “em embaixo” da vida. Parece que quando falta
o “para que”, a vida se torna uma sucessão de eventos não amarrados que não
possuem a capacidade de trazer a tão almejada realização pessoal. Nesta
situação, o viver resume-se a uma sequência de fatos mais ou menos
interessantes e o que interessa é apenas saber qual é a boa distração para
hoje. O seguinte trecho de uma famosa poesia de Carlos Drummond de Andrade traduz
bastante bem o que estou tentando dizer:
Talvez boa parte das pessoas não perceba
que lhes falta um sentido que ilumine seus caminhos. Apesar disso, é fácil
perceber que sentem os efeitos desse vazio. Insatisfação generalizada, stress
por uma correria sem sentido, depressões que não se explicam fisiologicamente,
falta de gosto pela vida. Mesmo que nem tudo possa ser explicado pelo
esvaziamento do significado, não há como negar que muitos dos dramas
existenciais estão profundamente relacionados com ele.
Diante do quadro apresentado percebo que há
uma tríade de sentimentos que traduz grande parte das experiências do homem
contemporâneo: angústia, euforia, tédio. A angústia pode ser vivenciada de duas
formas, seja como o desejo por algo que não se possui, seja como a dor de
querer algo que não se sabe o que é. Para muitos, essa dor vem do amor não
correspondido ou do emprego não conseguido. Para outros, do celular não
comprado. Há, no entanto, aqueles que sentem um desejo que é como uma dor, mas como não sabem bem pelo que anseiam, vão de objeto em objeto, de pessoa em
pessoa, buscando livrarem-se da aflição que teima em permanecer.
Como contraponto da angústia, há a euforia.
Na euforia há certa sensação de plenitude, mas esta é fugaz. O característico
desse sentimento é que nele é vivenciada uma espécie de pico de alegria, mas que quando passa
deixa muito pouco ou nada. Foi uma distração, não uma construção. A euforia
costuma dar lugar ao tédio, uma vez que ela só ocorre em momentos episódicos e
faz com que o cotidiano seja percebido como sem graça. A diferença do tédio para
a angústia é que esta é uma espécie de grito e, de alguma maneira, envolve uma
busca;a o tédio é paralisador e simplesmente faz com que a realidade seja
percebida como cinza e sem gosto.
E agora José? Ou Pedro, ou Ana, ou Maria...
E agora? Agora podemos nos contentar em viver assim e seguir a sequência
angústia-euforia-tédio; ou podemos mudar as regras do jogo. O panorama da falta
de sentido não é uma fatalidade, mas uma tendência. E é possível ir contra essa
tendência. Pode não ser fácil, mas é realizador. Não é fácil porque as forças
contrárias não estão fora de nós, mas em nós. Quando falamos de uma sociedade
egoísta, hedonista, consumista, quando pensamos em inversão de valores...Todos estes não são elementos externos à nossa forma de pensar e sentir, mas estão
impregnados em nossas mentes e corações.
Não nego que sejam necessárias mudanças
sociais. Elas são urgentes, mas quero afirmar que elas não são as únicas. Há
uma mudança de mentalidade e atitude que pode (e deve) começar em nós. Essa
mudança é aquilo que os antigos chamavam de metanóia. Coisa mais que necessária
hoje em dia.
Max
Weber, já no encerramento de sua famosa obra “A Ética Protestante e o Espírito
do Capitalismo”, chama a atenção para as possíveis consequências da morte do
significado em nossa cultura. Nas palavras do grande sociólogo:
“Então, para os “últimos homens” desse
desenvolvimento cultural, bem poderiam tornar-se verdade as palavras:
‘Especialistas sem espírito, sensualistas sem coração: nulidades que imaginam
ter atingido um nível de humanidade nunca antes alcançado”.
Não sou fatalista. Penso que mesmo que
estejamos em uma “gaiola de ferro”, existem portas. E a chave está em nossas
mãos. Talvez o que nos impeça de sair para liberdade seja o conforto da gaiola.
Pode ser também o medo do compromisso e da adesão a um estilo de vida exigente.
Consola saber que a chave está conosco e que serve, ao menos, para mudar quem
somos. Quem sabe se esta mudança for feita, muito mais não possa ser transformado?
Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia / Fundador da Oficina de Valores
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