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Corro
o risco de adotar um marginal?
Conversando com um amigo
recentemente, tocamos nessa problemática que resolvi transformar em texto. Faço
questão de esclarecer que não sou geneticista, nem sequer especialista no
assunto, sou apenas um psicólogo intrometido e interessado na temática. Pesquisei
um pouco e utilizei os conhecimentos que tenho de desenvolvimento humano e
psicologia da personalidade para desenvolver de forma sucinta uma pequena
elucidação de alguns aspectos.
Muito se fala em adoção
atualmente, seja pelo advento dos casais homossexuais, seja pelas mais diversas
causas de infertilidade, ou até mesmo por uma conscientização de que há
necessidade de oferecer um lar para uma série de crianças que se encontram em
orfanatos, seja por perda, ou abandono. Só que entre pensar na adoção e
executá-la, existe um longo caminho (isso sem falar nas questões legais, que
não me proponho a abordar neste texto). Creio que a primeira questão que se
coloca é: por que adotar?
Vale a pena fazer essa
reflexão, e por isso resolvi dividi-la em 3 pontos:
1 - Penso em adotar para
satisfazer uma lacuna? Esse é comum no caso dos que não podem ter filhos por
fatores biológicos e em resposta a isso buscam a adoção como forma de preencher
esse vazio e resolver essa frustração, o que em si não é um mal. Mas pode se
tornar, na medida em que depositam uma carga de cobrança muito grande em cima
da criança adotada.
2 - Penso em adotar por
autoafirmação? Essa pode parecer absurda num primeiro momento, mas se
adentrarmos a questão, veremos que não. Existem pessoas que fazem um esforço
muito grande para ficarem com a consciência limpa. É aquele caso de alguém que
esbanja dinheiro na ostentação da fartura o ano inteiro, sem o menor
comprometimento social, e ao chegar o fim de ano distribui umas cestas de natal
e doa uma quantia para alguma instituição e se sente aliviado por ser
‘caridoso’. Por mais louco que possa parecer, há pessoas que veem a adoção
dessa maneira, como um desencargo de consciência, fazem para afirmar para si e
para os outros que são bons e caridosos.
3 – Penso em adotar por
amor? Creio que essa seja a única
motivação de fato justa para uma adoção.
Elementos presentes nas anteriores podem estar presentes? Quase que
inevitavelmente sim. Mas o amor deve e precisa prevalecer. A adoção não deve
ser pensando em si, mas no adotado. Há uma criança que tem direito a um lar,
direito ao amor e a uma boa criação e eu posso oferecer isso a ela, portanto,
vou adotá-la. Se posso ou não ter filhos, se tenho ou não lacunas a serem preenchidas
é secundário, o que realmente importa é que tenho o que aquela criança precisa
e adotar é esse gesto de amor e desprendimento, um sair de si ao encontro da
criança.
Posto isso, vamos para as
seguintes questões que se colocam: Quando vou adotar uma criança, corro o risco
de colocar um marginal em casa? Não conheço sua família biológica e não sei as
influências que terá recebido.
Essa questão dá pano pra
manga. Entramos numa das maiores disputas encontradas em se tratando de
desenvolvimento da personalidade. O que determina a construção da personalidade
de alguém? A hereditariedade ou a criação? É possível uma criança ter má índole
hereditária?
Primeiro,
vale pensar que a idade da criança influenciará muito nisso. Um adolescente,
sem dúvidas terá uma propensão maior a ter má índole do que um recém nascido, e
isso independente da carga genética, pois compreende o simples fato dele ter
tido mais influências do meio, provavelmente ter experimentado mais
intensamente o abandono, rejeição, etc. A respeito das influências
hereditárias, elas obviamente existem. É inegável a
influência da hereditariedade nas características físicas de cada indivíduo (a
cor dos olhos, do cabelo, da pele, a estatura, o peso, etc.). Já não se poderá
estabelecer uma relação tão íntima entre a herança genética e as componentes de
índole cognitiva ou características da personalidade.
A hereditariedade desempenha um papel fundamental na constituição dos
sistemas nervoso e endócrino, que assumem um papel decisivo no comportamento
humano, bem como outras estruturas orgânicas. Então podemos dizer que a
hereditariedade é um fato a ter em conta quando se quer explicar a
personalidade do ser humano, porém não é o único.
Julgo importante sempre retomar o famoso caso do Kaspar Hauser. Para quem não conhece o caso trata-se de uma criança
abandonada que viveu toda a sua infância trancafiada em um porão, não
estabelecendo nenhum tipo de convivência social, sendo apenas alimentada como
um animal. Ao ser descoberto e integrado à sociedade, Kaspar se comportava como
um animal e não como uma pessoa. A herança hereditária dele era humana, sua
personalidade era selvagem. Aliás, o caso dele não é o único, há uma série de
experiências, conhecida como “crianças selvagens” com casos similares.
O ponto a que quero chegar é que não existe determinismo biológico. Uma
criança não pode simplesmente ser ruim por conta de uma má herança genética. O
que ela pode sim é carregar marcas de um abandono, de uma rejeição, marcas
psicológicas mesmo que podem até ser grandes limitadores, mas jamais serão
determinadores também. Tanto a genética, quanto o meio (criação e contexto
social) exercem influência sobre o desenvolvimento da personalidade (a meu ver,
o meio muito mais), contudo toda pessoa é dotada de consciência, liberdade e
responsabilidade, o que significa que em última instância ela é a principal
responsável pelo seu próprio destino, nem os pais biológicos, nem adotivos, mas
ela.
A conclusão é que qualquer pessoa pode e deve ser feliz. Isso não é
clichê e nem conto de fada. Defendo, de verdade que apesar de todo e qualquer
limitador externo e até mesmo interno, a força de resignificação e determinação
do ser humano é maior. Pensemos nas grandes personalidades, por exemplo:
Roberto Bolaños que quase foi abortado, grandes artistas que sofriam com
autismo, esquizofrenia, bipolaridade, enfim, é possível ser feliz para além do
contexto e das circunstâncias. Corro o risco de adotar um marginal? Essa era a
pergunta inicial, e a minha resposta é categórica: NÃO. Mas eu corro risco de
criar um marginal? Minha resposta também é categórica: SIM. A influência de
quem cria é muito forte, vale a pena aplicar isso a adoção e aos filhos
naturais também. Quanto mais eu crio condições para o desenvolvimento da
consciência, liberdade e responsabilidade da criança, mais eu crio um ser
humano, quanto menos eu privilegio isso, mais eu crio um monstro.
Quanto aos critérios para adoção: tamanho, idade, etnia, etc, acho justo
estabelecer parâmetros, obviamente, mas penso que quem muito escolhe, pouco
ama. O beneficiado com a adoção, pelo menos na intencionalidade não pode ser
quem adota, mas quem é adotado. Claro que depois, quem se doou também sai
ganhado, pois há mais alegria em dar que em receber. Uma frase que pra mim
traduz toda essa reflexão e que me faz crer que vale a pena acreditar na
adoção, acreditar no ser humano, é de um sábio homem que disse certa vez: "Onde não há amor, coloca amor e colherá amor”.*
Rodrigo Moco
Psicólogo / Coordenador da Oficina de Valores
Psicólogo / Coordenador da Oficina de Valores
*Frase de São João da Cruz
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