Imagem: divulgação
Divertida Mente – Resenha
Existencial
Não é exagero dizer que a Pixar é
responsável por fazer muito marmanjo chorar no cinema. E mais: por fazer com
que adultos chorassem assistindo desenhos animados. E sem sentirem um pingo de
vergonha disso. O primeiro filme do
estúdio, Toy Story, marcou época e gerou duas sequências, ambas sucesso de
público e crítica. A lista de acertos da Pixar Animation, no entanto, não se
resume às aventuras dos brinquedos que ganham vida quando ficam sozinhos. Há
mais, muito mais! Procurando Nemo, Ratatouille, Os Incríveis, Wall-E e UP são
animações que, embora atinjam o público infantil, falam muito aos adultos.
Junto à qualidade técnica, a
Pixar sempre apresentou um roteiro bem elaborado, com personagens que trazem uma
profundidade maior do que aquela vista na maior parte dos blockbusters. Heróis
frustrados com uma vida normal, um senhor ranzinza que é retirado da sua
solidão por um menino muito insistente, o último robô que mantém a missão de
limpar a terra destruída pelos humanos, monstros que têm medo de crianças.
De 2012 para cá, a situação mudou
bastante. Ao que parece, uma crise de
criatividade instaurou-se e os filmes caíram no lugar comum. Até o melhor dos
que foram produzidos nesse momento, Universidade Monstros, ficou bem aquém das
animações que fizeram a fama do estúdio. Muitos apontavam como culpada por esta triste
conjuntura a compra da Pixar Animation pela Disney. O fato de que em 2014 a Pixar não lançou filme
algum só tornou mais aguda a percepção de que as coisas não iam bem.
E agora em 2015?
Com perdão do fraco trocadilho,
esse ano a Pixar DIVERTIDAMENTE virou o jogo e colocou em cartaz um dos
melhores filmes da sua história.
Divertida Mente possui um roteiro
mais elaborado que a média dos filmes da própria Pixar. Há tantas camadas
que, ao término do filme, a vontade que surge é a de assistir novamente. Não que a trama seja
confusa, mas há diversos elementos que fazem com que o filme não se esgote.
A história de Divertida Mente se
passa em dois mundos, o interior e o exterior de Riley, uma menina de 11 anos
que passa pela maior mudança de sua vida quando os pais resolvem mudar de
cidade. Quem já viveu essa experiência de desenraizamento sabe o quanto é
difícil deixar amigos, espaços, costumes... No caso da Riley, as coisas ficam
ainda piores quando literalmente tudo dá errado. Os móveis da mudança não
chegam, o primeiro dia no colégio é horrível, a relação com os pais fica
conturbada.
Mas esse aspecto do drama da jovem
Riley é apenas uma parte da trama. O mais interessante se passa no interior da cabeça da menina. Lá
dentro encontramos as grandes personagens do filme: Alegria, Tristeza, Medo,
Raiva e Nojinho. As emoções ganham formas humanas e são mostradas como as responsáveis pelas reações
da menina ao mundo que a cerca.
As cinco emoções são as maneiras
pelas quais Riley percebe o mundo e constrói sua personalidade. Cada
experiência transforma-se em um memória.
Cada memória é marcada por uma emoção. Algumas memórias são estruturantes e
através delas são construídas as chamada “Ilhas de Personalidade”, que são os
elementos que constituem a identidade da jovem garota.
As coisas começam a degringolar
quando ocorre uma crise entre as emoções. A Alegria começa a incomodar-se com o fato de que a Tristeza, com seu
toque, faz memórias alegres tornarem-se
tristes. Como o objetivo de todos é fazer a Riley feliz, a Tristeza é cada vez mais colocada de lado a
ponto de receber a ordem de não tocar em nenhuma memória. Tudo complica quando Riley vive uma
experiência ruim que se torna sua primeira memória fundamental que não é
marcada pela alegria. Essa situação faz com que, após um conflito, Alegria e Tristeza sejam
sugadas da sala de controle e caiam em espaços da mente onde jamais estiveram. Detalhe: só restaram
Medo, Nojinho e Raiva para guiar a menina...
A partir dessa confusão, a
história de Divertida Mente se desenrola. Sempre alternando os planos interno e
externo, o filme mostra Riley movida por
Raiva decidindo fugir de casa, a Alegria correndo o risco de desaparecer no
inconsciente, as Ilhas de Personalidade desabando uma a uma...
Para salvar o dia, a Alegria deve
reconhecer que a Tristeza é fundamental para a personalidade e para a
felicidade de Riley, que a importância dessa emoção é tão grande quanto a sua.
É nesse contexto que Divertida Mente traz uma grande contribuição: numa época
de culto ao sucesso na qual as pessoas se sentem culpadas por estarem tristes, esse desenho animado vem dizer que a
felicidade não é sinônimo de alegria contínua e que a tristeza é parte
essencial do amadurecimento.
Quando se percebe pela primeira
vez o conjunto de emoções que conduz a garota é quase que natural pensar: só há uma positiva,
a Alegria. Todas as outras são negativas.
O filme contraria essa posição e apresenta uma ideia bem interessante:
todas as emoções são fundamentais. O Medo não é mau. Raiva não é um vilão. Nojinho não é uma bad
girl. A Alegria, embora sempre bem intencionada, não está sempre certa. Por
fim, há vezes em que o dia deve ser salvo pela Tristeza.
Se a Pixar capricha nas suas
personagens, o que ela faz com Riley é extraordinário. Entramos em sua mente,
vemos coisas importantes e detalhes insignificantes (as cenas com a música de
propaganda são ótimas!), conhecemos seu amigo imaginário, seu ideal de
namorado... Enfim, detalhes que fazem da garota a personagem mais bem trabalhada
da história do estúdio.
É bacana saber que parte da
inspiração do diretor John Docter veio de sua filha adolescente. Docter
observava a filha mudando e queria entender o que estava acontecendo. Não sei
se ele conseguiu fazer isso, mas de um feito ele pode se orgulhar: conseguiu
traduzir em arte um pouco do seu perplexo olhar de pai.
Esta última animação da Pixar tem
uma qualidade fantástica para qualquer filme: ensina muito sem pretender ser
didático. O que está em jogo é uma grande aventura na qual as emoções são
protagonistas. Não há lições de moral forçadas, há simplesmente a dramatização
de conflitos que todos vivemos e a personificação de sensações que todos
sentimos. E tudo isso feito de forma
contagiante. Talvez nunca antes a mente tenha sido tão divertida.
Para apontar algo que acho
que poderia ser melhor no filme,
cabe mencionar que faltou a “Razão” como personagem. Talvez uma coadjuvante pelo fato da Riley ser uma
criança, mas seria legal ver um contraponto às emoções.
Bom, o filme não é uma descrição da mente
humana, nem a materialização de uma teoria psicológica. É uma bela história
muito bem contada. É uma reflexão lúdica sobre
o papel das emoções. É uma
animação tecnicamente muito bem feita. Enfim, é a Pixar dando a volta por cima.
Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia - UFRJ / Fundador da Oficina de Valores
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