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As Olimpíadas acabaram. As impressões sobre os jogos são múltiplas. Há críticas fortes e defesas acaloradas. Há em muitos uma sensação de fortes saudades e em outros uma apreensão acerca de um legado negativo. Por vezes, esses sentimentos se cruzam na mesma pessoa. E isso é bem compreensível. Cabe agora dar atenção a essas sensações e pensar o que elas sinalizam nesse momento.
Existem várias formas de pensar os jogos olímpicos no Brasil. Tento resumi-las em duas: as Olimpíadas podem ser vistas como evento ou como processo. Quando olhamos o evento damos foco àquilo que é interno aos próprios jogos. Falamos sobre as competições, os atletas, às superações, à arte envolvida na abertura, ao quadro de medalhas. Um evento, no entanto, não é algo isolado. Há um antes e um depois, vários fatores externos que não podem ser desconsiderados. Esse é o tal processo.
É razoável que ao focar no evento as consequências sejam alegria, festa e até euforia. Os grandes desastres prefigurados antes do início das Olimpíadas não ocorreram. E, mesmo com alguns erros e problemas, as coisas transcorreram bem. Os maiores atletas do mundo estiveram aqui. O Brasil quebrou seu recorde de ouros e ocupou sua melhor posição no quadro de medalhas. Várias vitórias históricas aconteceram. A emoção das competições contagiou vários dos que uma semana antes estavam desanimados.
Também é razoável o tom pessimista de quem dá peso ao processo. As Olimpíadas aconteceram em um contexto de crise política e econômica. Isso para não falar na corrupção sistêmica que afeta nosso país e que nesses grandes eventos torna-se bastante visível. Há também os que apontam a situação ruim do cotidiano da maioria dos esportes no Brasil.
Processo e evento estão intimamente unidos. Isso, no entanto, não significa que não seja possível curtir os jogos e criticar o entorno. Não é contraditório chorar com as conquistas dos atletas e indignar-se com a forma com a qual os jogos foram preparados ou conduzidos. Sei que parece estranho, mas estranha é nossa condição de sermos indivíduos e estarmos em uma sociedade. De ao mesmo tempo podermos admirar algo e perceber que nesse algo há sombras escuras.
Processo e evento estão intimamente unidos. Isso, no entanto, não significa que não seja possível curtir os jogos e criticar o entorno. Não é contraditório chorar com as conquistas dos atletas e indignar-se com a forma com a qual os jogos foram preparados ou conduzidos. Sei que parece estranho, mas estranha é nossa condição de sermos indivíduos e estarmos em uma sociedade. De ao mesmo tempo podermos admirar algo e perceber que nesse algo há sombras escuras.
Acontece que o processo não termina com o fim do evento. Ele continua. E o evento, ao tornar-se passado, transforma-se em parte do processo. Agora se fala em legado, que nada mais é do que a continuidade do ontem no hoje e no amanhã.
Várias são as dimensões do legado de algo tão grande quanto os jogos olímpicos: políticas, sociais, culturais. Ou de outra forma: consequências para a cidade do Rio, para a economia, para os esportes. Enfim, múltiplos são os legados – positivos e negativos – e toda tentativa de listá-los já começaria fadada ao fracasso.
O fato é que estamos em um momento específico: o dia depois do evento. E isso traz limites, mas também carrega possibilidades. Há aquilo que não podemos desfazer, que foi bem ou mal feito. Mas há também aquilo que podemos reconstruir ou construir a partir do que foi legado. E a potencialização do bem e a correção do mal deixados pelos jogos depende de envolvimento e participação. De quem? Meus e teus.
Essa regra vale para as mais diversas dimensões possíveis. Para fins de exemplificação, fiquemos apenas com os esportes. Foram bastante comuns durante os jogos falas do tipo “mas o futebol feminino não é valorizado”, “ninguém liga pra canoagem e olha o que o cara fez”, “imagine se tivéssemos mais investimento”. Tudo isso é verdadeiro, mas é fundamental tomar cuidado para a crítica a uma situação ruim não ser apenas um lamentar-se acompanhado de um lavar as mãos.
É claro que não podemos dar atenção a tudo, provavelmente não vamos acompanhar todos os esportes. Também é legítimo que alguém nem ligue para competições desportivas e tenha outras prioridades. O que é importante é saber que a mudança não passa apenas por outros. Passa por mim. Não só por mim, mas também por mim.
Julga que a situação do futebol feminino deveria ser melhor? Dentro de seus limites, faça alguma coisa. Assista aos jogos que por ventura passarem na TV. Escreva para os canais dizendo que gostaria que essa modalidade fosse mais transmitida. Comente com os amigos. Se possível, vá aos estádios. Se for mulher e gostar de futebol, tente marcar uma pelada com as amigas.
Acredita que outros esportes deveriam ter mais atenção? Comece acompanhando a modalidade que mais curte, seja pela TV ou pela internet. Quem sabe não dê para começar a praticar ou incentivar alguém a fazer isso? Vez por outra compartilhe alguma notícia interessante. Valorize os atletas e competições. Se possível, envolva-se como voluntário em algum projeto.
Sei que diante de situações grandes, as atitudes acima parecem pequenas. E são mesmo. A questão é que o muito está contido no pouco e desanimar das pequenas atitudes pode significar não envolver-se em grandes mudanças. O que importa é dar o passo que está ao nosso alcance hoje. A cada dia basta seu cuidado. Amanhã teremos outros passos para dar e que só serão possíveis se hoje não formos omissos.
Vale, e muito, aproveitar esse pós-jogos para tentar melhorias. Sejam no esporte, sejam na política, sejam na vida. A comoção causada pela Olimpíadas pode e deve ser catalisada em ações concretas. E essas ações precisam vir ainda que legados negativos sejam fatores de desmotivação, ainda que minhas ações pareçam inúteis. Achar que tudo está perdido é um caminho certo para deixar tudo perder-se.
Enfim, neste momento pós-olímpico, que promete tantas turbulências, é fundamental cultivarmos a coragem e a esperança do protagonismo. Protagonismo invisível, essencial para mudanças visíveis. Protagonismo de pessoas comuns que sabem cobrar, vigiar e fazer. Protagonismo de quem, mesmo sabendo-se limitado, não quer apenas receber, mas deixar legados.
Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia
Fundador da Oficina de Valores
Fundador da Oficina de Valores
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