Pode ser que eu seja privilegiado, mas, sinceramente, creio que não. Convivo em ambientes muito diferentes para que o contato com tantas pessoas boas seja apenas coincidência. Essa experiência, no entanto, faz com que eu constantemente me veja diante de um paradoxo: o mundo como um todo parece bem pior do que os indivíduos que encontro no meu dia a dia. Como pode ser assim se são exatamente estes indivíduos que constituem o mundo?
Várias são as respostas possíveis para essa questão. A primeira advoga que o todo é maior do que a soma das partes e que para além dos indivíduos estão estruturas ruins, que causam e amplificam males além da esfera individual. Embora exista muita verdade nessa afirmação, afinal todos estamos submetidos a instituições e à cultura, ela não me satisfaz por completo. Parece colocar o mal em algo vago que está completamente além de nossas mãos. Parece dar uma absolvição que não provoca mudança e que incentiva o lavar as mãos. Não! Embora as estruturas tenham peso, são ações com certo grau de liberdade que contribuem para que sejam construídas e mantidas.
Mesmo reconhecendo que as ações individuais não são tudo e que uma andorinha só não faz verão, sigo acreditando que há poder nas mãos dos indivíduos. Um poder real e que pode ser usado para o bem e para o mal, para manutenção e para mudança, para a vida e para a morte. E as pessoas boas costumam falhar exatamente ao não usar os poderes que possuem.
Caso conversemos com as pessoas à nossa volta sobre os males do mundo, boa parte delas mostrará tristeza e indignação. Penso que eu e você não sejamos diferentes. Gostaríamos que as coisas fossem de outro modo. Que não houvesse fome, violência e abandono. Que a justiça, a paz e a solidariedade fossem a regra do mundo. Desejamos isso, mas estas coisas não costumam vir sem esforço. Exigem certo sacrifício. E é aí que a situação complica.
Entre desejar o bem e fazer o bem existe uma diferença. O mesmo pode ser dito sobre desprezar o mal e combatê-lo. Bons sentimentos e boas ideias são fundamentais, mas o mundo é transformado quando mente e coração transbordam em nossos pés e mãos, quando intenções tornam-se atitudes.
O mal costuma ser mais fácil por um motivo simples: normalmente ele não exige abnegação, não pede que percamos, apenas que ganhemos. Em suma: é egoísta e promete recompensas imediatas. No mal, o sacrificado não sou eu. Em nome de bens menores, mas meus, sacrifico bens maiores, mas do outro. Em troca do meu supérfluo posso chegar a privar alguém daquilo que lhe é necessário.
No bem há uma outra lógica. Afinal, a justiça é dar a cada um o que lhe é devido, mesmo que isso seja exigente. A solidariedade implica em reconhecer no outro um irmão, mesmo quando isso traz obrigações que podem não ser tão agradáveis. A veracidade tem como consequência combater a mentira que parece vantajosa. E os custos do bem ficam ainda mais altos quando o mal já está posto. É muito mais difícil ser justo diante de uma sociedade injusta, ou ser pacífico em um ambiente belicoso.
Neste ponto julgo enxergar algumas luzes sobre o paradoxo proposto. Há mais pessoas boas do que más. Acontece que os maus costumam ser mais ativos que os bons. Ou, para aceitar mais a complexidade das coisas: costumamos ser mais ativos no mal do que no bem. Vivemos uma bondade preguiçosa, pouco disposta aos sacrifícios da coerência e ao heroísmo da generosidade. Desejamos o bem, mas não estamos dispostos aos custos do bem.
Acredito que a sensação de muitos os me acompanharam até aqui seja: a coisa é mais complicada que isso. E eu concordo totalmente. Há simplismo em minha abordagem... O mal não é resolvido com uma equação e é algo que se assemelha mais a um mistério do que a um enigma. No entanto, entender um pouco de como é sua presença em nós e assim combate-lo com mais afinco é algo fundamental. Afinal, não fazer nada é uma das piores coisas que podemos fazer.
Claro que nem todos seremos grandes reformadores ou líderes, mas o princípio pode e deve ser aplicado às nossas microrrelações. Para que nossas famílias, vizinhanças, ambientes de trabalho, grupos de amigos sejam melhores do que são, é fundamental que cessemos de apenas desejar e comecemos a pagar os custos do realizar. Só começando no micro podemos dar passos para o macro, afinal, grandes mudanças costumam ser fermentadas em pequenos ambientes.
Oficina de Valores
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