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#AvanteOficina

Algo muito comum no meu dia a dia é discutir com o Binho, nosso editor, a pauta do blog. Praticamente todo dia entro em contato com ele para dizer: Binho, tive uma ideia! Ele normalmente ri e diz: “Fala aí”. Depois que começo a falar a conversa não para. Discutimos possíveis textos, novos articulistas, temas para reflexão. Enfim, muito do que vocês encontram no blog, para o bem ou para o mal, é fruto dessas conversas.

Certo dia estávamos pensando na pauta para o blog quando esse meu querido amigo disse que queria escrever um texto com o título “quando a ciência se torna religião”. Na hora conversamos que eu também escreveria um texto que abordasse as relações da ciência com a fé.  Na última semana pensei muito sobre tal texto e não sei se tenho tanta coisa assim a acrescentar,  mas para não quebrar a palavra dada colocarei aqui minhas reflexões.

Nós da Oficina de Valores temos como principal missão visitas às escolas, onde damos palestras sobre, hã... valores. Normalmente a reação das turmas é muito boa, os alunos se abrem conosco. Às vezes, no entanto, acontecem coisas extraordinárias. Certa vez, quando uma turma chegou no auditório do colégio para assistir a uma palestra sobre sentido da vida, percebi que conhecia aqueles rostos. Quando falei isso para os alunos ele admitiram que já haviam assistido a palestra, mas queriam  ouvir de novo e aproveitaram-se de um engano da inspetora para dirigirem-se ao auditório. Claro que a aula de matemática que eles tinham no horário não teve nada a ver com o ocorrido...

Pois bem, o estrago já estava feito e eu não iria dar a mesma palestra duas vezes para o mesmo grupo. Fiz então uma proposta. Os alunos redigiriam perguntas sobre qualquer tema a respeito de ética ou mesmo religioso que quisessem. Depois, sortearíamos as perguntas e tentaríamos respondê-las. A primeira pergunta sorteada foi justamente aquela que dá o título a este texto: “como acreditar em Deus se a ciência já provou que Ele não existe?”

Hoje vou aprofundar um pouco o que disse aquele dia. Em primeiro lugar disse que a ciência não provou que Deus não existe simplesmente porque isso é impossível. O ônus da prova recai sobre quem afirma, não sobre quem nega. Pensem comigo: se alguém diz que existem duendes invisíveis, quem tem que provar é quem afirmou, e não eu que não acredito nisso. Para mim, que não acredito em duendes, a ausência da evidência funciona como uma evidência da ausência. Sim, eu sei que isso torna a posição de quem nega mais confortável, no entanto, é a mais pura verdade. Quem acredita é que deve expor as razões da sua esperança. Grande responsabilidade para nós!

Um segundo ponto em que toquei naquele dia, e que quero levantar hoje, é que ciência e fé não podem se digladiar porque possuem objetivos diferentes. A ciência, ao menos as ciências exatas, buscam explicar como o mundo funciona. Pensemos, por exemplo, na lei da gravidade. Ela é uma tentativa de descrição da realidade, não uma proposta de sentido da existência. A religião, por outro lado, busca responder as grandes questões humanas que são a identidade, a origem e a finalidade (Quem sou? De onde vim? Para onde vou?). A religião nos dá os “porquês”  e os “paraquês”, a ciência os “comos”.

Deixe-me dar um exemplo para ajudar. Um cientista pode dizer que tal substância ingerida em tal quantidade, em tal período e de tal maneira causa um aborto. No entanto, em nome da ciência, não é possível dizer se uma mulher deve ou não abortar. Isso está com a filosofia, com a ética e, para surpresa de todos, com a religião.


É claro que há pontos em que a ciência e a religião se encontram e nesses pontos podem acontecer polêmicas. Acredito que o termo polêmica é muito mal compreendido.  Penso que algo é polêmico quando dá margem à discussão. E isso, quando bem vivido, é maravilhoso. Penso que tanto a ciência quanto a religião ganham com esses debates. A religião pode se ver “purificada” de elementos que não lhe são essenciais, mas apenas espelham o conhecimento do povo onde foi gestada. A ciência, por sua vez, pode ganhar encontrando referenciais éticos importantes. Afinal dizer que algo é possível ser feito não quer dizer que ele deva ser realizado.

Acredito piamente, baseado no que li e no que vivi, que ciência e fé não são campos contraditórios, mas complementares. E as mútuas acusações? Penso que parte delas se deve a ignorância, tanto da fé quando da ciência.  Basta pensar na pergunta que me foi feita no colégio para chegar a essa conclusão. Outro motivo dos conflitos atribuo ao que chamo de IMPERIALISMO das duas partes. Em certos momentos e ambientes temos um imperialismo religioso que nega a ciência o que lhe é devido. Lembro daqueles que disseram que a Terra não podia girar em torno do Sol porque o livro de Josué disse que o Sol parou e daqueles que negam a existência dos dinossauros porque eles não estão na Bíblia.

Por outro lado, temos o imperialismo científico que busca desqualificar qualquer posicionamento religioso como irracional. Percebemos esse tipo de imperialismo em autores como Richards Dawkins que afirmam que Deus é apenas uma explicação para aquilo que ainda não sabemos explicar, o famoso deus das lacunas. Esse equívoco tem como causa, além da ignorância que apontei acima, uma concepção errônea de racionalidade. Muitos confundem racionalidade com cientificidade, sendo que o primeiro conceito é bem mais amplo que o segundo. A ciência, pelo menos em sua acepção moderna, envolve matematização e uso de experimento, sendo um uso específico da razão. Se esse uso fosse o único, a maior parte do conhecimento humano deveria ser considerada irracional. Literatura e história, por exemplo, não obedecem aos critérios mencionados.

Este meu texto é um tanto diferente dos demais que escrevi aqui para o blog. A grande maioria do que escrevo tem um cunho moral/existencial. Neste, a questão é de outro tipo, embora, afirmo, não deixe de ser existencial. Quantas pessoas não vivem uma esquizofrenia interior se sentido constantemente divididas entre aquilo que lhes é sagrado e aquilo que lhes parece verdadeiro?  O grande C. S. Lewis passou por algo parecido. Durante um bom tempo de sua vida foi um materialista convicto, mas amava os mitos e os contos de fada. Dizia que tudo aquilo que acreditava ser verdadeiro era feio e frio, e tudo que amava e julgava belo parecia ser falso...

Escrevo hoje para aqueles que enfrentam dramas parecidos, sejam eles crentes ou não crentes. Escrevo para tentar jogar alguma luz sobre essa questão que já me angustiou bastante. A fé não se opõe à razão, mas a supõe... Bom, vou encerrar por aqui. Termino sabendo que deixei de lado muita coisa, mas, se Deus quiser, este papo continuará outro dia. Com alguns pessoalmente, com outros virtualmente.... Ah, antes de deixar no teclado quero dizer que embora este texto não seja científico, espero que pelo menos tenha sido racional.
Até mais!

Alessandro Garcia
Mestre em Sociologia - Coordenador da Oficina de Valores

8 comments:

Juliana Benevides disse...

Muito bom Alessandro, essa questão intriga mesmo e quantas vezes ja me peguei pensando nela, não sou tão boa com as palavras como vc, mas acredito sinceramente que essa resposta (Deus existe ou não) pode ser respondida (?) uma vez que nos aproximamos da ciência e de uma "vivencia pessoal". O que que vcs acham disso?

Natália Castro disse...

Texto excelente! Quem estiver interessado em saber mais sobre o tema tem um autor chamado Thomas E. Woods Jr. que escreveu um livro que dentre outros temas trata a respeito deste. O livro chama: "Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental", o capitulo que fala desse tema é o V.
Alem desse livro ele fez um programa onde ele fala também desse tema, deem uma olhada ai nos videos:
http://www.youtube.com/watch?v=kivCLSqBB3I&feature=relmfu

http://www.youtube.com/watch?v=f4m_5YmKmQg

http://www.youtube.com/watch?v=pVOg29VYwn4

Binho Kraus disse...

Juliana, nesse caso eu faço minhas as palavras de Louis Pasteur que dizia: "Pouca ciência nos afasta de Deus. Muita ciência nos aproxima". É um tema interessante para um próximo texto. Vamos ver o que brota daí.

RW - Roberto Wagner L. Nogueira disse...

A coloquialidade dos quatro primeiros parágrafos dão um brilho maior a densidade do texto enfrentado mais abaixo, parabéns amigo!

Anderson Dideco disse...

Como sempre, muito bom. Deixa-me, digamos, 'orgulhoso' de poder tb contribuir com minha pouca cultura para esse blog, mas ao mesmo tempo envergonhado de tantas limitações e mais consciente da minha responsabilidade. O saldo é, ao final, positivo. Abç.

Anderson disse...

Oi Alessandro,
Ótimo texto. Permita-me alguns contrapontos e algumas reflexões. Me imagine como uma das crianças cheias de dúvidas e atentas ao ouvi-lo. Por favor, entenda dessa forma os questionamentos. São basicamente 3 questões. Gostaria muito de conhecer a sua visão sobre elas. Vamos lá. 1) Cabe aos crentes o ônus da prova. Quais seriam as suas motivações para acreditar em deus? Afinal, não existe qualquer indício concreto de que qualquer deus exista... Indo além, porque esse deus e não qualquer outro? 2)Na minha interpretação, A ética e a filosofia bastam para elaborar os questionamentos existenciais humanos. A religião se apropriou de ambas sendo uma das formas mais acessíveis de imposição de uma determinada ética e uma determinada filosofia. E o pior: uma ética e uma filosofia que não tolera ser contrariada, ameaçando aqueles que ousarem fazê-lo com um castigo eterno (!!). Por que acreditar em algo assim? Não há igualmente qualquer indício de um lugar destinado a esse castigo eterno. Pq pregar isso?? 3) Um dos pontos altos do seu texto é quando vc trata de história e literatura como conhecimentos não-cientificistas. Uma determinada história e uma determinada peça literária não precisam existir de fato, podem ser meros exercícios da imaginação humana. Podem ser fruto da imaginação daqueles que contam. O mesmo não ocorre com as divindades? Pense comigo: existem milhares de religiões deistas no mundo. Cada qual com suas histórias, crenças, rituais, etc. Será que o elemento comum a todas elas, ou seja, os seres humanos, não são os criadores desses mitos e não o contrário como os adeptos da crença na principal divindade ocidental insistem em afirmar? Eu entendo que o método científico, embora poderoso, não tem o monopólio da razão. Mas será que os demais métodos conseguem diferenciar o que é real (leia-se aqui uma coisa que de fato exista) do que é mera imaginação? Por favor, não leve a mal as perguntas. São apenas questionamentos. Um abraço, Antônio

Alessandro Garcia disse...

Ola Antônio,

De maneira alguma levo a mal as perguntas. Ao contrário, eu as aprecio. Sou um perguntador também.

Suas questões são muito boas e profundas. Poderia responder de "orelhada" aqui nos comentários, mas não acho que seja o melhor. Você levantou pontos que valem alguns textos. Vou redigir ao menos dois...Só tenho um problema: não poderá ser de imediato. Na próxima semana estarei em um congresso e na outra será semana do provas no colégio onde trabalho, logo ficarei sem tempo. Te dou minha palavra que no máximo em 15 dias publicamos o primeira.

Fraterno abraço e obrigado pela cordialidade no debate.

Anônimo disse...

"A religião nos dá os “porquês” e os “paraquês”, a ciência os “comos”."

Impecável!

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