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Reparo em muitas pessoas, tenham fé ou não, um preconceito no que se refere à relação entre conhecimento e fé. Muito daqueles que não crêem julgam a fé uma coisa de ignorantes, de pessoas que preferem acreditar em fábulas. Sobre esta postura já falamos algumas vezes aqui no blog. No entanto, percebo um preconceito parecido em certa categoria de cristãos. Já ouvi algumas pessoas dizendo que muito estudo afasta a pessoa de Deus, também já vi pessoas sendo rechaçadas porque faziam perguntas, muitas vezes apenas com respostas do tipo “você pensa demais”, “precisa sentir”, “te falta fé”.

Claro, muitas pessoas questionadoras não possuem verdadeiras questões, apenas fazem críticas disfarçadas sob forma interrogativa; mas isso não significa que todos são assim ou que mesmo os que são assim não devem ser ouvidos. De qualquer maneira, o tema do presente texto não é esse...
Hoje quero falar dos desafios que experimentam aqueles jovem que têm fé e entram na universidade; só toquei nestes pontos porque este duplo preconceito, por vezes, recai sobre o jovem estudante. Lembro claramente de que quando decidi estudar sociologia, ouvi de alguns o seguinte conselho: “cuidado para não perder a sua fé”.

A universidade é vista por muitos como um momento nos qual muitos jovens se distanciam da fé de sua infância ou adolescência. Vejo que este preconceito, como muitos outros, possui certo fundamento na realidade, mas não dá conta de toda a realidade. Realmente, na universidade o pensamento crítico é treinado, novos conhecimentos são adquiridos e uma certa emancipação é buscada, um novo ambiente é vivenciado. A partir deste novo contexto, alguns passam a enxergar a crença que professavam como sem sentido.

Este ‘rejeitar a fé’ tem, em minha opinião, uma relação apenas superficial com o conhecimento adquirido. Possui outras causas, das quais vou enumerar três. A vivência da liberdade de forma desregrada; as ideologias com as quais se toma contato mais profundo; uma compreensão da crítica apenas como rompimento.

Para trabalhar os três pontos, terei que recorrer a minha experiência pessoal, que sei que não é ‘universalizável’, mas acredito ter pontos de contato com a de muitos outros. Vou falar um pouco sobre mim para deixar a coisa mais clara. Minha formação é em ciências sociais e tenho mestrado em sociologia. Além disso, cursei um ano de filosofia, disciplina com a qual mantenho bastante contato. Estudei no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro e no IUPERJ. Lecionei na Universidade durante cinco anos e, mesmo tendo sido pouco produtivo nos últimos tempos, tenho me esforçado por voltar às esferas acadêmicas. Estou ansioso pelo doutorado e na universidade me sinto realizado de maneira única. Tenho também grande interesse por história, literatura e teologia.

Embora eu acredite estar óbvio, vale ressaltar que minha experiência é muito mais focada nas ciências humanas, e outras áreas devem ter outras peculiaridades. Mas vá lá... Espero que minha pequena experiência possa iluminar a outros.

Depois deste interlúdio vamos ao assunto. Lembro que, nos meus primeiros dias no ensino superior, estava muito empolgado com o que estudava, mas ao mesmo tempo meio relutante com o novo ambiente. Isso é totalmente normal, afinal toda passagem envolve certo receio por não dominar os códigos do novo ambiente. Acho, entretanto, que no meu caso a coisa se agravava por vários motivos. O primeiro é que sou tímido e tenho dificuldade de criar laços. O segundo, decorre de eu ter vivido os três anos anteriores da minha vida em ambiente predominantemente cristão. Tornei-me católico aos quinze anos e, graças a Deus, tive uma comunidade muito ativa. E ainda estudei boa parte do ensino médio em um colégio protestante. O terceiro ano foi a exceção, mas ainda assim meus amigos religiosos estavam muito perto. Era até engraçado... Para mim o cristianismo parecida uma obviedade!

Lembro como foi a sensação de me tornar minoria. Aquilo que eu valorizava de repente se tornou um anti-valor. Se até então eu era aplaudido por certas posturas, a partir daquele momento eu estava em um ambiente onde, para boa parte das pessoas, elas não faziam o menor sentido. Devo dizer que acho que não lidei tão bem logo no início. Amava as aulas e achava as pessoas muito interessantes, mas certas atitudes eram bem diferentes da postura moral que eu adotava (e adoto)

Acredito que esta situação possa ter alguns desfechos diferentes. Alguns se empolgam com a nova situação (que realmente é empolgante) e desmerecem tudo aquilo que dela difere. Penso que o abandono da fé por muitos não se deva às teorias aprendidas. Elas acabam sendo uma justificativa. Muitos abandonam a crença porque ela não se encaixa mais com as novas posturas adotadas. Quando não vivemos à altura de nossas crenças, temos crenças à altura do que vivemos.

Uma das minhas maiores alegrias por ter estudado no IFCS é ter encontrado um microcosmo muito interessante. Grande parte das ideologias do mundo contemporâneo estavam lá... E devo dizer são encantadoras. Toda ideologia é encantadora porque carrega uma parcela da verdade e a exagera. A realidade se torna mais simples e a luta mais fácil. Acredito que Chesterton estava certo quando dizia que o problema do mundo moderno não são seus vícios, são suas virtudes. Uma ideologia é nada mais nada menos que uma verdade que enlouqueceu, que deixou todo o restante de lado.

Em ciências humanas não é possível separar completamente a ciência das concepções ideológicas. Também é importante dizer que por trás de toda teoria há uma concepção da natureza humana. Este tipo de percepção, normalmente, não é tão clara ao jovem estudante, simplesmente porque ele é jovem. Lembro com carinho que cada teórico que eu estudava parecia irrefutável... Até o teórico seguinte ser apresentado.

Na universidade, aprendemos muito o valor da crítica. Este aprendizado é fundamental, afinal a ciência avança a partir da crítica ao que veio antes. A crítica, no entanto, não pode ser entendida apenas como negação, tendo também um caráter afirmativo. Criticar algo é apreciar a fundo este algo e não de antemão tratá-lo como errado. Nunca é demais lembrar que a negação pela negação é uma postura dogmática e anticientífica.

Neste sentido, acho que a universidade é, sim, um grande momento de autocrítica; ao menos para mim foi. Revi minhas crenças e descobri que elas faziam muito sentido! Mais do que eu esperava. Aprendi a conviver com aqueles que pensavam diferente e a dialogar com eles. Purifiquei minha fé no contato com os que não acreditavam.

Se eu posso dar um conselho ao jovem universitário católico, este conselho é: leia muito! Leia tudo que lhe for proposto em sua área e não tenha medo daqueles que criticam aquilo que você acredita. C. S. Lewis dizia que é o ateu que deve ter muito cuidado com o que lê, caso não queira se tornar cristão... Como disse, leiam tudo que lhes é proposto, mas leiam mais. Nós cristãos temos uma tradição de pensamento milenar, e esta tradição é colocada de lado.

Recordo-me do dia em que disse para um amigo que Thomas Morus é santo. Ele disse: “Peraí, como eu nunca soube disso? O cara é um clássico”. Tenho vários amigos universitários e vejo que muito poucos, em seus cursos, têm contato com pensadores cristãos. Não digo com teólogos, mas com autores que possuem uma diferente concepção de homem. Poderia citar muitos aqui, de cabeça: Murilo Mendes, Paul Claudel, Alasdair MacIntyre, Jacques Maritain, Chesterton... Cada área tem os seus. Não estou dizendo que temos que pensar como estes homens, mas eles travaram, antes de nós, o debate que travamos, e neles podemos encontrar pistas interessantes.

Embora tenha dito que só ia dar um conselho, não posso deixar de dar outro: conheçam bem a fé que professam. Muitos abandonam o catolicismo por conhecerem apenas uma caricatura do mesmo. Crescem em conhecimento de tudo menos daquilo que julgam crer. Vivem a universidade com o conhecimento de doutrina que tinham na primeira comunhão!

Sei que muita gente não leva a universidade a sério, mas não é para estes que escrevo hoje. Nem para os que não levam a religião a sério. Escrevo para alguém que acredita de verdade e ama com paixão o conhecimento de sua área... Escrevo para quem é universitário e cristão, mas não quer ser um esquizofrênico com duas áreas fundamentais de sua vida totalmente isoladas... Escrevo para aqueles que já me procuraram expondo estas angústias. Espero, de verdade, hoje ter dado alguma ajuda.

Alessandro Garcia
Mestre em Sociologia - Coordenador da Oficina de Valores

3 comments:

Anônimo disse...

Alessandro, ao ler o título do seu texto, postado no facebook, me chamou muito a atenção, e me senti disposto a cair a fundo nessa leitura. Bom, observando um pouco da sua experiência, além da visão de alguns pensadores que comentou, me fez lembrar um pouco da experiência que tenho tido na ucp, que mesmo sendo uma faculdade católica e de Petrópolis, encontramos uma corrente muito forte tanto de pessoas de diversas outras crenças, como vários autores com pensamentos divergentes a nós católicos. Como o meu curso é História, tenho lido e ouvido sobre pensadores que, além de historiadores, também são filósofos ou sociólogos. A ideologia que cada um prega muitas vezes é fascinante e quanto mais leio, mais me interesso e penso que talvez, assim como você disse acima, o autor X seja irrefutável. Mas depois da leitura de outro Y vejo que não é por aí. Gosto muito de conhecer, e estudar é o maior prazer pra mim (graças a Deus neh haha), claro que com preferências. Entretanto, ao passo que estudo a historiografia em geral, seja dos mais cristãos, seja a dos nada cristãos, também me aprofundo no conhecimento da minha religião. Assim como você citou no texto, creio que sem o aprofundamento e conhecimento de sua própria religião,é impossível continuar professando a mesma ao deparar-se com fortes. Pois, de fato, elas possuem um raciocínio, desculpe a repetição, mas "racional". E isso faz você vidrar naquilo e se não conseguir refutá-lo ou ao menos, excluir os ideais errados, através do conhecimento da doutrina católica, você acaba saindo de um barco e entrando no outro que lhe é mais agradável.

Graças a Deus, acredito que tenho trilhado um bom caminho, com a presença divina, e conhecendo ao mesmo tempo "as marcas do homem no tempo e no espaço", além da escrita do mesmo.

Parabéns pelo texto, me chamou bastante atenção, principalmente pelo que tenho vivido, mas também por ser em si mesmo bastante rico e questionador.

Um forte abraço, e espero ter contribuido com algo também.

Lucas(Posse) Aluno do seminário

Joyce disse...

Nossa, Alessandro, parabéns demais pelo texto. Falou pra mim... falou pra muitos. Conversamos muito sobre isso e me encontrei gde parte da vida de estudante do lado de quem só conhecia, como vc disse muito bem, a caricatura daquilo que é a fé, a Igreja. e tinha preconceito, o velho preconceito que hoje sofro, de quem não ve. que pensa que o crente não pensa, é um resignado.
Eu achava lindo uma coisa que um professor dizia: "nenhuma religião me comporta, sou muito questionador". Hoje percebo a ignorancia (no melhor sentido) contida nessa fala. falta a ele saber que a Igreja é imensa e me dá a liberdade cientifica, de pesquisa, me estimula a saber o que ainda não é sabido...
enfim, seu texto todo está excelente. pegou na veia, como de costume.
destaco esta parte: "Realmente, na universidade o pensamento crítico é treinado, novos conhecimentos são adquiridos e uma certa emancipação é buscada, um novo ambiente é vivenciado. A partir deste novo contexto, alguns passam a enxergar a crença que professavam como sem sentido. " que achei ótima porque retoma uma coisa que vejo MUITO... as pessoas, muitas vezes, encaram o catolicismo (cristianismo em geral) como uma fase da imaturidade intelectual, como algo q vc só vive qd está guiado pela familia. qd vc voa solo, claro q vai pensar e, por isso, não cre - esse é o discurso. acho q seu texto já disse tudo.
muito obrigada por tê-lo escrito!
façamos o que está nas nossas mãos!

Anônimo disse...

Texto muito bom!

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