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Começo este texto sabendo que irei terminar insatisfeito. Não que seja comum eu terminar um artigo empolgado com aquilo que escrevi, mas há temas que de antemão sei que não conseguirei tratar do jeito que gostaria, nos quais as ideias que defenderei parecem meras sombras frente a realidade que não consigo atingir por meio das palavras e do raciocínio. Tais temas esbarram no mistério e, embora sejam por natureza difíceis, são por essência fundamentais.

Hoje vou tentar responder uma pergunta formulada por uma leitora do blog. Há pouco

tempo escrevi um texto chamado “O necessário Deus esquecido” onde trabalhei o fato de que Deus é a reposta para o vazio existencial que muitas vezes experimentamos. Disse, em tal artigo, que abraçar o transcendente bane o vazio de nossas vidas. Algumas pessoas comentaram este texto e uma delas fez a seguinte pergunta:

Acredito em Deus e concordo com você quando diz que: “...o homem só será feliz quando for inteiro e para ser inteiro não pode enxergar-se apenas como matéria.” Porém, ando me questionando o que leva as pessoas que se dizem de Deus, serem tão falhas quanto as que negam? Serem tão tristes quanto as que negam?

Confesso que essa pergunta me deixou um pouco incomodado. Não com aquele incômodo ruim de quando somos importunados, mas com aquela inquietação que uma pergunta traz quando encontra eco nas grandes questões que estão dentro de nós. A questão levantada já havia me atingido outras vezes no passado, seja de maneira banal, seja nas formas mais profundas. Chegou a hora de tentar colocar por escrito algumas das , ainda que não tão boas, intuições que tive quando parei para pensar no assunto.

Devo dizer antes de começar a responder que não trabalharei diretamente a primeira parte da questão que versa sobre as falhas dos que creem em Deus. Não trabalharei não porque não a ache relevante, apenas porque afirmar que os cristãos falham depõe principalmente contra os que creem, afirmar que aqueles que sinceramente acreditam são frustrados pode depor contra o próprio cristianismo. Acredito que a falha em uma proposta é muito mais grave do que uma falha daqueles que a portam. Não é a toa que sempre que há uma queda de avião, as empresas logo buscam encontrar erros humanos.

Vou colocar a questão proposta em outra palavras para ajudar um pouco na reflexão: Se Deus é fundamental na realização humana por que os cristãos apresentam os mesmos problemas existenciais que todas as outras pessoas? Não é de se esperar que fossem um pouco mais felizes?

Em primeiro lugar quero afirmar que julgo sim que um cristão, sob determinado aspecto, é mais realizado. E não digo isso por julgar os outros inferiores. Afirmo apenas que para alguém que julga que Deus existe e o ama, várias questões existenciais estão, se não resolvidas, ao menos a caminho de uma resolução. Para estas pessoas o nada não é a palavra final e a história termina não em lágrimas, mas em um grande sorriso.

Apesar disto, reconheço que assim como o sol brilha sobre todos, parece que certos problemas emocionais e mesmo existenciais pairam da mesma maneira sobre ateus, agnósticos e cristãos. É comum encontrar pessoas que dedicam suas vidas a Deus em estado de depressão, stress ou tomadas por escrúpulos. Isso só para mencionar alguns problemas e não aumentar por demais a lista. Não sei se podemos afirmar que em relação a estas situações um ateu está em desvantagem. Cada um parece ter sua porção no cadinho do sofrimento psíquico.

Constatando esse fato, acredito ter três coisas a dizer. A primeira é que grande parte do sofrimento do mundo contemporâneo advém de uma inversão de prioridades, ou seja, de tratar como mais valiosas coisas que são menos e como menos importantes coisas que são mais. Esta inversão de valores faz com que negligenciemos nossos reais anseios e corramos atrás de falsas necessidades.

Uma das principais contribuições que a fé cristã trouxe a minha vida (e creio que a de muitos outros) foi chamar atenção para valores mais altos que me provocam a uma constante saída de mim mesmo. O cristianismo é radical quando exige: “ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”. Para utilizar as sábias palavras de um amigo: a fé cristã ensina que ”somos à medida que nos doamos”.

Estes valores são belos, no entanto estão na contramão de nossa famosa pós-modernidade, que parece impor uma espécie de fechamento em si. Muitos autores há muito afirmam que o homem não é capaz de conhecer o mundo e já chegaram aqueles que afirmam que também é impossível amar o próximo. Diante dessa situação muitos se encontram presos no labirinto do egocentrismo.

O que isso tem a ver com a tristeza dos cristãos? Simples. Todos somos educados no mesmo mundo e com os mesmos contra valores. Acontece que a adesão formal a uma fé nem sempre corresponde a transformação da mente e do coração. Cremos em Deus e em Cristo, mas secretamente falseamos sua proposta. Muitas vezes o cristianismo vivido é caricaturado ou mutilado. Assim como um copo de vinho diluído em um barril de água perde a capacidade de embriagar, a mais bela das propostas quando dissolvida em valores diferentes perde sua força transformadora. Muitos se decepcionam com o cristianismo porque viveram algo que não é o próprio cristianismo.

Além disso, penso que muitas vezes quem crê é triste porque espera da fé algo que ela nunca ofereceu. Como já disse outras vezes no blog, Deus não nos blinda e não retira os problemas daqueles que buscam viver com Ele. Por vezes pode ocorrer até o contrário e a adesão a fé cristã ser causa de situações difíceis. Para termos a certeza disso basta pensar no número de mártires que esses dois mil anos de cristianismo testemunhou.

Penso sempre em um trecho do evangelho de São João que diz: “No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo”. Essa passagem chama atenção para o fato de que a promessa cristã não é de uma vida confortável, mas de uma força que vence o mundo. O vaticínio “tereis aflições” pode significar tanto situações externas difíceis, quanto dramas internos complicados. Cristo nos oferece e nos conclama à coragem de continuarmos caminhando pois é no seguir que a cura acontece. Mesmo que não seja da forma que esperamos ou no momento que desejamos.

Para encerrar quero afirmar a crença de que o verdadeiro cristianismo carrega consigo a desilusão. Não no sentido de que decepciona, mas que destrói as ilusões. Talvez, muitos bons cristãos possam tristes porque descobriram que ancoraram suas vidas em nada e viveram na contramão daquilo que sempre disseram acreditar. Esta tristeza é boa, afinal a descoberta do próprio vazio é condição essencial do preenchimento e o reconhecimento das persistentes incoerências é um passo necessário para que nos tornemos aquilo que, ao menos, já desejamos.

Alessandro Garcia
Mestre em Sociologia - Coordenador da Oficina de Valores

1 comments:

Unknown disse...

Profundamente agradecido estou acabando de tirar minha âncora do vazio .

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