Esse ano vai ser tenso! O Vestibular está chegando. Ainda não escolhi o que fazer. Tenho dúvidas entre medicina, filosofia e matemática. Tô com medo de não passar. Quantos pontos preciso fazer para passar em engenharia? Qual a relação candidato/vaga mesmo?
Todas as frases acima são ditas todos os anos por milhares e milhares de pessoas que se preparam para prestar os mais diversos vestibulares. A experiência vivida pelos vestibulandos não é, na grande maioria dos casos, das mais tranquilas. Há nervosismo, medo, ansiedade e, ao mesmo tempo, esperança e determinação. Tudo isso misturado com algumas (ou muitas) dúvidas!
Como professor, testemunho, ano após ano, os dramas de alunos do terceiro ano do Ensino Médio. Alguns parecem caminhar para a cova dos leões; outros lamentam o tempo que não dedicaram ao estudo nos anos anteriores; há também aqueles que sofrem com uma insegurança que os trava diante de provas que fariam muito bem não fosse o nervosismo. Isso para não falar dos que sofrem de um estresse digno de Atlas, o titã que teve a punição de carregar o mundo nas costas, e dos que desistem por se acharem incapazes. Afinal de contas, por que o vestibular gera tanta tensão?
Penso que a pergunta acima causou alguma irritação nos vestibulandos que por ventura leram o texto até aqui. A resposta parece, e é, óbvia. Todo mundo que já passou pela experiência de se preparar para o vestibular sentiu na própria pele as razões que geram tão grande nervosismo. Mesmo quem nunca fez vestibular, com um pouco de bom senso pode chegar a imaginar os motivos da tensão dos que se preparam para tal prova.
Apesar de tal obviedade, acredito ser importante, para quem está no olho do furacão, parar e olhar, com certa objetividade e clareza, a raiz das próprias angústias. Um olhar sereno ajuda a perceber que certas tempestades são feitas em copo d’água. E mesmo quando o temporal é verdadeiro, pode não ser forte o suficiente para nos afogar. Como bem nos ensina a psicologia, tornar consciente o que é inconsciente ajuda a vencer medos e ansiedades que pareciam invencíveis.
Boa parte dos dramas do ano de vestibular está relacionada ao fato de que para muitos, a avaliação para o ingresso na universidade é o primeiro grande desafio da vida. Não que não tenham existido momentos difíceis antes, mas passar ou não na prova de classificação muda drasticamente a vida de alguém. Passar parece um rito mágico capaz dos nos transportar para uma terra prometida. Ritual que é ligado a uma jornada e a vários sacrifícios.
Diante de desafios desse tipo, nossas limitações tornam-se mais claras. As dificuldades em uma disciplina que normalmente eram colocadas para debaixo do pano tornam-se problemas um pouco maiores, o tempo em que não se estudou passa a doer um pouco na consciência. Essa revelação das próprias deficiências, embora não seja agradável, pode se revelar algo útil e importante.
Importante porque descobrimos que podemos viver a uma altura maior do que normalmente vivemos e que somos capazes de mais do que normalmente fazemos. Não é incomum, alunos descobrirem um gosto pelo estudo ou uma capacidade maior para alguma matéria apenas no ano de vestibular. Nesse sentido, o desafio serve para mostrar que podemos ser melhores.
Apesar de tudo isso, nunca é demais lembrar que grande parte da tensão em relação ao vestibular deve-se a uma ilusão. Ilusão de que a capacidade de alguém pode ser totalmente medida em uma prova. Embora as provas sejam meios de avaliação, elas não são traduções exatas do que a pessoa realmente pode fazer. Diversos fatores pesam no momento, desde as possibilidades educacionais, controle emocional, até uma dor de barriga de última hora.
Por mais que pareça, o não passar no vestibular não é o fim da linha. A vida continua. Outras provas podem ser feitas. Sei que esse papo de não passar não é lá muito motivacional, mas acredito que certos discursos, utilizados para impulsionar, podem fazer mais mal que bem. A realidade é que é possível não passar. Isso vai doer e incomodar... Mas não será o apocalipse!
Talvez seja essa a lição necessária para aqueles que não são comprometidos com a formação escolar, ou uma etapa necessária no processo de amadurecimento. Muitas crises de vestibulandos são causadas pelo medo de frustrar expectativas dos outros. Isso ocorre principalmente com alunos que costumam se destacar. Nesses momentos é importante lembrar que por mais “brabos” que os pais sejam, eles não vão amar menos um filho porque a coisa não saiu como esperado, muito menos considera-lo menos capaz. Algumas broncas podem vir, em especial para aqueles que foram um pouco relaxados, mas o apoio e o carinho não vão sumir.
Há também a tristeza pelo desperdício do caminho percorrido. Não é nada incomum ouvir estudantes dizendo frases do tipo “se eu tivesse estudado desde o primeiro ano”, ou “eu me arrependo de não ter me esforçado mais antes”. Sei que essas expressões, por vezes traduzem uma dolorosa verdade. A questão é que o passado pode ser um fosso de torturas ou uma fonte de inspiração. Saber que houve desperdício ontem, e que isso trouxe consequências, pode ser o que faltava para a decisão da dedicação necessária ao hoje.
A intenção desse texto não é desanimar ou tirar a motivação de ninguém. Muito pelo contrário...Creio que o esforço para superar grandes desafios tem a capacidade de agigantar. O vestibular faz isso com muitos. Desejo apenas dizer que o processo de cada um é diferente e que saber que a vida não se encerra no vestibular pode dar a tranquilidade necessária para passar no mesmo.
Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia / Fundador da Oficina de Valores
Obs: sei que há muitas questões sociais envolvidas no vestibular. De maneira alguma as julgo pouco importantes, apenas quis dar um enfoque existencial à questão.
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