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#AvanteOficina

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Por: Alessandro

Imagem: Amanda Acceti

“Cada um tem sua verdade”. Não é incomum uma discussão terminar com essa frase, ou com uma variante com o mesmo significado. Tal declaração visa normalmente acalmar os ânimos ou terminar um duelo que se mostra infindável. Com tal posicionamento, normalmente os dois lados saem satisfeitos, principalmente porque cada um dos dois continua achando que está certo. Afirmar que a verdade é subjetiva gera também uma certa sensação de tolerância e estabelece uma “democracia intelectual”.

Tal frase teria uma importância menor se fosse apenas um recurso para encerrar uma conversa chata. No entanto, ela é também uma tradução cotidiana de um valor cultural contemporâneo, que não é comum apenas em discussões de adolescentes, mas é também presente em debates entre intelectuais e em publicações acadêmicas. Não é nada raro ouvir de filósofos, sociólogos e historiadores a seguinte sentença: “a verdade não existe”.

Entendo que tal conclusão seja fruto de uma cultura que pretende evitar os erros do passado. Erros tanto teóricos quanto práticos. Não são raros os casos de pensadores que afirmaram ter descoberto a verdade absoluta sobre algum assunto, mas que, com o decorrer das pesquisas e a partir de novas descobertas, acabava sendo contradita inteiramente por outros pensadores. Outro caso, bem mais grave, foi o daqueles que, ao afirmarem possuir a verdade, adotaram posturas autoritárias, quando não violentas, em nome da mesma. Tais pessoas, que infelizmente não são poucas, são capazes de justificar os maiores absurdos em nome da verdade que, a seus olhos, é tão óbvia.

Esta postura ditatorial não é coisa apenas de grandes líderes e pensadores, mas é também facilmente testemunhada no cotidiano. Quem nunca lidou com um “dono da verdade”? Alguém que é tão convicto de suas crenças e as julga tão evidentes, que simplesmente tacha como imbecis todos aqueles que discordam daquilo que pensa? Tal pessoa pode até argumentar bem e ser bastante inteligente, mas age com muita arrogância e costuma julgar-se superior a todas as outras. Tudo porque é detentora da “verdade”...

Diante de tão grande mal, é compreensível que a negação da verdade seja vista como uma libertação. Libertação de um autoritarismo que se justifica a partir da posse de um suposto saber verdadeiro, que, não poucas vezes, cai por terra com o tempo.  A “verdade”, quando afirmada com esse desprezo pela opinião contrária, acaba sendo então simplesmente um instrumento de poder e não uma captação da realidade.

Defendo, no entanto, que embora essa negação da verdade seja vista como a base de uma postura mais tolerante, ela também está na raiz de uma das mais cruéis ditaduras. De fato, quem colocar a verdade de lado, em vez de gerar as condições favoráveis para um melhor entendimento entre partes divergentes, está destruindo as condições que tornam o diálogo possível.

O primeiro empecilho que a negação da verdade gera decorre de que tal negação é ilusória. Dizer que a verdade não existe nunca implica em viver como se ela não existisse. O relativismo é existencialmente impossível. Todos possuem posicionamentos que julgam corretos e verdadeiros. Vamos a um exemplo: Carlos defende cabalmente que ninguém deve impor sua posição sobre os outros, pois ninguém possui a verdade absoluta.  No entanto, se alguém disser para Carlos que nenhuma pessoa foi morta nos campos de concentração nazistas, ele achará essa pessoa louca e rirá de tamanho absurdo. Nunca dirá: “bom, cada um tem sua verdade!”

O exemplo acima é tão simples, que chega a ser simplório. Foi dado simplesmente para ilustrar que todo pensamento pressupõe a verdade como valor. E que sempre que acreditamos em alguém, tanto nas mais grandiosas teses quanto nas mais simples afirmações, estamos fazendo isso porque julgamos que o que tal pessoa diz corresponde ao que de fato é real.

Resumindo: dizer que não há verdade normalmente é apenas uma estratégia, consciente ou inconsciente, para desqualificar como dogmáticos aqueles de quem discordamos. Ou seja, é uma postura de “dois pesos e duas medidas”, na qual o outro é tido como um ditador que quer impor sua visão de mundo, enquanto "minhas" próprias crenças estão protegidas pela clareza. Tal atitude é tão contraditória que em teoria pode parecer impossível, mas na prática é muito recorrente.

Em segundo lugar é preciso ressaltar que dizer que não existe a verdade implica em afirmar que não há um pensamento que esteja mais de acordo com a realidade do que outro, ou seja, não há uma posição que possa em si mesma ser considerada melhor que a outra. Em última instância tudo será resumido a preferências e imposições.

Na vida cotidiana, afirmamos valores que consideramos fundamentais e que estão em contradição com outros. Mais uma vez, vamos a um exemplo: Uma pessoa defende os direitos humanos como universais e inalienáveis. Outra diz que a tortura é uma método lícito para se obter informações em investigações criminais. As duas afirmações são contraditórias.  Se não há possibilidade de verdade, resta apenas a persuasão por outros meios ou a mera imposição pela força.

A verdade é o que torna o diálogo possível, e que faz com que uma tentativa de convencimento não seja uma simples imposição. Ela é o critério que permite avaliar e reformular posições. Uma discussão na qual a verdade não é um valor é apenas uma arena de forças, na qual perde o mais fraco e vence o mais forte (ou o mais teimoso).

A crença na verdade, em vez de levar a posturas autoritárias é o verdadeiro remédio para todo autoritarismo. Explico-me: Quem realmente crê que a verdade existe e vive de forma a buscá-la, fatalmente perceberá que o mundo é mais complexo do que parece a primeira vista. Perceberá também que não é incomum as pessoas equivocarem-se e que ele mesmo se equivoca com bastante frequência. Isso, no entanto, não faz com que desista de encontrar o que é verdadeiro, apenas faz com que seja mais humilde ao afirmar e cordial ao discordar..

Todo autoritarismo cometido em nome da verdade normalmente é cometido por pessoas que amam mais suas crenças que a própria verdade. Quem ama a verdade, ama a busca pela mesma e respeita aqueles que pensam de uma maneira diferente. Pode julgar que os outros estão equivocados, mas sempre estará disposto a ouvir e a dar razões daquilo que pensa.  Além disso, quem crê e ama a verdade não tem medo de mudar de opinião, afinal tal pessoa não quer simplesmente perpetuar uma crença, mas deseja acreditar naquilo que é realmente verdadeiro.

Embora tenha se disseminado na cultura contemporânea, o relativismo não é uma novidade. É uma tese bastante antiga. Uma tese contra a qual se ergueram grandes homens. Homens que perceberam que negar a verdade equivale a travar o pensamento. Homens que perceberam que dizer que não há certo equivale a não poder lutar contra nenhum erro. Homens que foram humildes o suficiente para acreditar que há algo a que suas opiniões devem se submeter.  Homens que não acreditaram ser donos da verdade, mas que desejaram ardentemente ser envolvidos por ela.

Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia - UFRJ / Fundador da Oficina de Valores



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