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Islã e Cristianismo: convergências e divergências
Os mais recentes ataques terroristas, da Al Qaeda ao Charlie Hebdo,
decapitações cometidas pelo grupo terrorista denominado "Estado
Islâmico", e os atentados do Boko Haran, repercutem de forma negativa na
complicada relação que o ocidente tem com o Islã. E produz em nós ainda mais medo
e temor dos muçulmanos. Nesse sentido, devemos nos informar melhor sobre o
Islam (ou Islã, ou Islão), para separamos essas ações terroristas do
significado real dessa religião que se expande cada vez mais e já possui mais
de 1 bilhão de adeptos mundo afora.
Entender o islamismo, ainda que seja de maneira breve, também deve ser do
interesse dos cristãos; sobretudo porque mais de 80% dos territórios que os
cristãos leem na Bíblia e também os territórios dos Pais da Igreja, hoje são
territórios ocupados pelo Islã.
Evidentemente, não há condições entendermos o que é o Islamismo num único
texto, como também não haveria caso fosse o Cristianismo e o Judaísmo. Mas não
é pretensão deste blog oferecer um
tratado sobre as religiões. Então, comprometo esse texto a uma leitura breve,
informal, com os mínimos apontamentos que considero serem necessários para
entendermos um pouco do assunto. Comprometo também, muito mais importante do
que o texto, a deixar referências bibliográficas ao final. Espero despertar o
leitor para o aprofundamento do tema.
Bem... De maneira muito informal, pensei no mínimo que precisaríamos saber
sobre o Islã para não sermos preconceituosos. E como cristãos? Quais são as
principais diferenças entre "eles" e "nós"? Como eles
encaram o Cristianismo? Antes que você responda que "eles encaram na bala,
na faca e no colete de bombas", peço que se contenha por um instante. O
texto tem a pretensão de mudar essa ideia que se cristaliza cada vez mais no
imaginário ocidental e provoca aquilo que convencionou-se chamar de
islamofobia.
Antes de começarmos, saiba de antemão que Muhammad ibn Abdallah - Maomé,
como ficou conhecido no Ocidente - implantou a paz na sua terra de origem. Um
mercador que teve uma extraordinária ascensão política e religiosa, com uma
mensagem que unificou uma terra pulverizada entre vários clãs que brigavam
constantemente entre si, Maomé deixou de ser um simples mercador para ser o
homem mais importante do seu tempo.
Vivendo uma cultura tribal, num tempo que a gente vai chamar de
pré-islâmico, Maomé - só para manter a informalidade no texto - nasceu Meca
entre 567 e 572 e pertenceu à poderosa tribo dos coraixitas. Nesse contexto, o
ponto principal é ter em mente que na Arábia Central pre islâmica, vivia-se uma
cultura de tribos com muitos conflitos internos, onde cada tribo beduína
enfrentava constantemente a possibilidade de ser extinta. Os muçulmanos
acreditam que em 610, na caverna de Hira, Maomé teve uma visão na qual o anjo
Gabriel fez a primeira de uma série de revelações. No islamismo, o Anjo Gabriel
é muitas vezes identificado como o Espírito Santo da revelação, e por meio dele
Deus se comunica com os homens.
Segundo a tradição islâmica, depois de muito relutar Maomé assumiu a condição
de profeta. E, como profeta do Islã, iniciou seu apostolado pela Arabia Central
valendo-se de um fenomenal gênio religioso e político para aproveitar as
circunstâncias históricas e fazer triunfar uma mensagem profética que se
adequaria ao povo árabe. Maomé mudou radicalmente não apenas a sua própria
história, como também a história da Arábia: desde a sua fuga para Medina em 622
( a Hégira. Quando na verdade começa o calendário islâmico: "a.H e
d.H") até o retorno triunfal à Meca. Maomé, não é exagero afirmar, criou uma
unidade entre os árabes quando acabou com a perpétua disputa e barbarismo entre
as tribos.
Bem... Talvez interesse saber e que um dos pontos que aproxima o Islã do
cristianismo é que Maomé também considera Abraão como uma dos pais da sua fé.
Aliás, lembro que muitos personagens da Bíblia são considerados profetas pelo
Islã: Adão, Noé, Abraão, Moisés, Jesus... E uma coisa interessante: para o
Islã, Jesus foi o único profeta que não pecou. Os muçulmanos também acreditam que Jesus
nasceu de Maria virgem, fato que está no Corão (surata 3:45,47). Ou seja, ao
seu modo, os muçulmanos também
referenciam Jesus Cristo.
Tudo certo, então?
Estaria.. Mas nós não consideramos Jesus apenas um profeta.
E aqui começam as divergências...
Explicando a grosso modo, para os muçulmanos, Allah deixou algumas revelações
para os povos pre islâmicos, na Torá e nos Evangelhos. Mas entendem o Corão,
para eles o mais bem acabado desses livros, já que foi o último e que foi
revelado ao próprio Maomé pelo anjo Gabriel por revelações auditivas em língua
árabe. Revelações que foram coletadas ao longo de vinte anos na vida de Maomé e
que só receberam o acabamento final no Corão depois de outros vinte anos. Para
os muçulmanos o Corão é o último livro e Maomé, o último profeta. Vêem as
revelações numa escala evolutiva por assim dizer. Comparando o Corão e Maomé
aos outros livros e profetas, julgam como se o último fosse um aprimoramento em
relação aos outros.
Começando a complicar, né?
E ainda vai complicar mais!
De certo modo, quando começou sua ascenção profética, Maomé estava tentando
conciliar seu monoteísmo - ou ao menos não queria muitas divergências - com o
monoteísmo judaico, já que Allah era o Deus idêntico ao adorado por judeus e
cristãos e era o Deus que Maomé tinha como referência. Tanto que inicialmente
as orações islâmicas eram voltadas para Jerusalém. Mas os judeus de Medina não
aceitaram Maomé como um profeta, além do que, por terem um conhecimento
superior das escrituras, conseguiam achar com facilidade "buracos"
nas histórias do Corão. E muitos judeus medinenses rejeitavam as pretensões de
Maomé e seus seguidores e os hostilizavam por considerarem bárbaros e um povo
sem nenhuma revelação de Deus, ou seja, um Livro Sagrado. Tal estado de coisas
fizeram as orações muçulmanas mudarem de endereço em 624. Reajustaram o GPS: de
agora em diante as orações seriam em direção à Meca, mas especificamente em
direção à pedra mais sagrada que existe, para os muçulmanos: a Pedra de Negra
da Caaba, que acreditam ter sido feita por Adão quando expulso do Éden,
destruída no dilúvio e reconstruída por Abraão.
Os problemas estão aparecendo?
Mas, entre as principais divergências que opõem Islamismo e Cristianismo,
muçulmanos e cristãos, destaco duas: a começar que eles não acreditam que Jesus
tenha sido crucificado, porque para o Islã, Allah não permitiria que um profeta
Seu fosse crucificado. Acreditam que na hora da crucificação, alguém parecido
com Jesus foi crucificado no Seu lugar. São várias teorias para explicar essa
substituição. Uma delas, por exemplo, fala que foi Judas. Mas os muçulmanos não
tem uma explicação para o que teria acontecido com o corpo de Jesus.
"Antes Deus o levou até Ele. Deus é poderoso e sábio (surata
4:158,158)". Essa é a única surata
sobre essa questão da morte de Jesus no Corão e deixa margens para interpretações.
Isso é uma coisa...
Outra divergência, talvez a mais grave delas para nós. Os muçulmanos não
aceitam a Santíssima Trindade. E aqui temos uma desconexão cultural e
linguística. Linguística porque não existe um termo em árabe para a palavra trindade.
Além disso, a complexidade dessa discussão chegou muito distorcida aos ouvidos
de Maomé que em suas revelações, compiladas no Corão, desconfiava bastante das
especulações teológicas, desconsiderando-as como "zanna”, ou seja, uma mera adivinhação, falar sobre coisas que ninguém é capaz de
conhecer. Não é exagero dizer que até hoje os muçulmanos têm muita dificuldade
em compreender a Trindade.
E existe outra problemática: uma dificuldade também em entender o Deus Pai.
Existem 99 maneiras de se tratar Deus no Corão. Nenhuma delas como
"Pai". Para o muçulmano, ser pai é mais ou menos exercer uma função
animal: ser pai é ter filhos. Para os muçulmanos seria atribuir a Deus uma
função a animal. O que seria, de certo modo, uma blasfêmia.
Estas são algumas das divergências que você vai encontrar entre
cristianismo e islamismo. Nada tão
exótico como cientologia, ou o budismo. As divergências estão aí postas. E, é
claro, nenhuma divergência autoriza os
extremismos, seja cristão ou muçulmano, a cometer atentados terroristas. E as
religiões Cristã e Islâmica não pregam isso.
Pronto. Um texto compacto que teve que dar vários saltos para ser
minimamente sintético.
Com essas informações, Salaam Aleikum, "Salamaleico". E que Deus esteja
conosco.
Fernando Duarte
Professor de História / Oficina de Valores
Bibliografia:
- ARMSTRONG, Karen. Uma História de Deus: quatro milênios de busca do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, Ed. Companhia das Letras, São Paulo, SP. 1994.
- BINCKEL, Bruce, JANTZ, Stan Pequeno Guia sobre o Islamismo, Ed. Unidet Press, Campinas, SP, 2003.
- ELIADE, Mircea, História da Crença e das Ideias Religiosas III: De Maomé à Idade das Reformas, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, RJ. 2011.
- FLETCHER, Richard, A Cruz e o Crescente: Cristianismo e Islã, de Maomé à Reforma, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, RJ. 2004
- SOURDE, Dominique, Historia do Povo Árabe, Ed. José Olympio, Rio de Janeiro RJ. 2011
- O Alcorão, tradução Mansour Chalita - NÃO ENCONTREI Copyrigth para citá-lo.
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