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#AvanteOficina

Por: Alessandro
Imagem: divulgação


Divertida Mente – Resenha Existencial

Não é exagero dizer que a Pixar é responsável por fazer muito marmanjo chorar no cinema. E mais: por fazer com que adultos chorassem assistindo desenhos animados. E sem sentirem um pingo de vergonha disso.  O primeiro filme do estúdio, Toy Story, marcou época e gerou duas sequências, ambas sucesso de público e crítica. A lista de acertos da Pixar Animation, no entanto, não se resume às aventuras dos brinquedos que ganham vida quando ficam sozinhos. Há mais, muito mais! Procurando Nemo, Ratatouille, Os Incríveis, Wall-E e UP são animações que, embora atinjam o público infantil, falam muito aos adultos.

Junto à qualidade técnica, a Pixar sempre apresentou um roteiro bem elaborado, com personagens que trazem uma profundidade maior do que aquela vista na maior parte dos blockbusters. Heróis frustrados com uma vida normal, um senhor ranzinza que é retirado da sua solidão por um menino muito insistente, o último robô que mantém a missão de limpar a terra destruída pelos humanos, monstros que têm medo de crianças.

De 2012 para cá, a situação mudou bastante. Ao que parece, uma crise de criatividade instaurou-se e os filmes caíram no lugar comum. Até o melhor dos que foram produzidos nesse momento, Universidade Monstros, ficou bem aquém das animações que fizeram a fama do estúdio. Muitos apontavam como culpada por esta triste conjuntura a compra da Pixar Animation pela Disney. O fato de que em 2014 a Pixar não lançou filme algum só tornou mais aguda a percepção de que as coisas não iam bem.

E agora em 2015?

Com perdão do fraco trocadilho, esse ano a Pixar DIVERTIDAMENTE virou o jogo e colocou em cartaz um dos melhores filmes da sua história.

Divertida Mente possui um roteiro mais elaborado que a média dos filmes da própria Pixar. Há tantas camadas que,  ao término  do filme, a vontade que surge é a de assistir novamente. Não que a trama seja confusa, mas há diversos elementos que fazem com que o filme não se esgote.

A história de Divertida Mente se passa em dois mundos, o interior e o exterior de Riley, uma menina de 11 anos que passa pela maior mudança de sua vida quando os pais resolvem mudar de cidade. Quem já viveu essa experiência de desenraizamento sabe o quanto é difícil deixar amigos, espaços, costumes... No caso da Riley, as coisas ficam ainda piores quando literalmente tudo dá errado. Os móveis da mudança não chegam, o primeiro dia no colégio é horrível, a relação com os pais fica conturbada.

Mas esse aspecto do drama da jovem Riley é apenas uma parte da trama. O mais interessante se  passa no interior da cabeça da menina. Lá dentro encontramos as grandes personagens do filme: Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojinho. As emoções ganham formas humanas e são mostradas como as responsáveis pelas reações da menina ao mundo que a  cerca.

As cinco emoções são as maneiras pelas quais Riley percebe o mundo e constrói sua personalidade. Cada experiência  transforma-se em um memória. Cada memória é marcada por uma emoção. Algumas memórias são estruturantes e através delas são construídas as chamada “Ilhas de Personalidade”, que são os elementos que constituem a identidade da jovem garota.

As coisas começam a degringolar quando ocorre uma crise entre as emoções. A Alegria começa a incomodar-se com o fato de que a Tristeza, com seu toque, faz memórias alegres tornarem-se tristes. Como o objetivo de todos é fazer a Riley feliz,  a Tristeza é cada vez mais colocada de lado a ponto de receber a ordem de não tocar em nenhuma memória. Tudo complica quando Riley vive uma experiência ruim que se torna sua primeira memória fundamental que não é marcada pela alegria. Essa situação faz com que,  após um conflito, Alegria e Tristeza sejam sugadas da sala de controle e caiam em espaços da mente onde jamais estiveram. Detalhe: só restaram Medo, Nojinho e Raiva para guiar a menina...

A partir dessa confusão, a história de Divertida Mente se desenrola. Sempre alternando os planos interno e externo, o filme mostra Riley movida por Raiva decidindo fugir de casa, a Alegria correndo o risco de desaparecer no inconsciente, as Ilhas de Personalidade desabando uma a uma...

Para salvar o dia, a Alegria deve reconhecer que a Tristeza é fundamental para a personalidade e para a felicidade de Riley, que a importância dessa emoção é tão grande quanto a sua. É nesse contexto que Divertida Mente traz uma grande contribuição: numa época de culto ao sucesso na qual as pessoas se sentem culpadas por estarem tristes,  esse desenho animado vem dizer que a felicidade não é sinônimo de alegria contínua e que a tristeza é parte essencial do amadurecimento. 

Quando se percebe pela primeira vez  o conjunto de emoções que conduz  a garota  é quase que natural pensar: só há uma positiva, a Alegria. Todas as outras são negativas.  O filme contraria essa posição e apresenta uma ideia bem interessante: todas as emoções são fundamentais. O Medo não é mau.  Raiva não é um vilão. Nojinho não é uma bad girl. A Alegria, embora sempre bem intencionada, não está sempre certa. Por fim, há vezes em que o dia deve ser salvo pela Tristeza.

Se a Pixar capricha nas suas personagens, o que ela faz com Riley é extraordinário. Entramos em sua mente, vemos coisas importantes e detalhes insignificantes (as cenas com a música de propaganda são ótimas!), conhecemos seu amigo imaginário, seu ideal de namorado... Enfim, detalhes que fazem da garota a personagem mais bem trabalhada da história do estúdio.

É bacana saber que parte da inspiração do diretor John Docter veio de sua filha adolescente. Docter observava a filha mudando e queria entender o que estava acontecendo. Não sei se ele conseguiu fazer isso, mas de um feito ele pode se orgulhar: conseguiu traduzir em arte um pouco do seu perplexo olhar de pai.

Esta última animação da Pixar tem uma qualidade fantástica para qualquer filme: ensina muito sem pretender ser didático. O que está em jogo é uma grande aventura na qual as emoções são protagonistas. Não há lições de moral forçadas, há simplesmente a dramatização de conflitos que todos vivemos e a personificação de sensações que todos sentimos.  E tudo isso feito de forma contagiante. Talvez nunca antes a mente tenha sido tão divertida.

Para apontar algo que acho que poderia ser melhor no filme,  cabe  mencionar que faltou a “Razão” como personagem. Talvez uma coadjuvante pelo fato da Riley ser uma criança, mas seria legal ver um contraponto às emoções.


Bom, o filme não é uma descrição da mente humana, nem a materialização de uma teoria psicológica. É uma bela história muito bem contada. É uma reflexão lúdica sobre  o papel das emoções. É uma animação tecnicamente muito bem feita. Enfim, é a Pixar dando a volta por cima.


Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia - UFRJ / Fundador da Oficina de Valores

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