(Imagem copiada de www.internetmonk.com. Utilização puramente irônica.)
Vez por outra, alguém demonstra
surpresa quando descobre que professo uma fé.
Admito que ficaria triste se a motivação para isso fosse o fato de que
minha conduta demonstra o contrário do que falo, se os valores que vivo em meu
cotidiano fossem contraditórios com a crença que professo. Apesar de minhas
limitações, o motivo parece não ser esse. As pessoas se surpreendem ao saber
que sou católico porque julgam que isso não
combina com minha formação acadêmica e interesse pelo conhecimento.
combina com minha formação acadêmica e interesse pelo conhecimento.
Antes que o leitor tenha uma
impressão errada sobre mim, assumo que não sou genial, nem erudito. Sou apenas
interessado. Minha formação é em sociologia e gosto muito de filosofia,
literatura e teologia. Boa parte de meu trabalho até hoje consistiu em dar
aulas, seja na universidade, seja no Ensino Médio. Diversos alunos com senso
crítico apurado e interesse por questões mais abrangentes se aproximaram de mim
durante esse meu tempo de docência. Os conteúdos das disciplinas que leciono
favorecem bastante essa postura. Sempre fiquei feliz com tal aproximação e foi
justamente por causa dela que pude perceber o espanto dos alunos frente minha
opção perante a vida. Percebi a mesma reação em colegas de universidade e
profissão.
Uma das questões que muito amigos
e colegas sempre levantaram, nas diversas conversas que já tive sobre a fé
religiosa, foi a dos dogmas. Ouvi por diversas vezes as seguintes frases: “O
problema da religião são os dogmas”, “Sou crítico demais para aceitar dogmas” e
“Não quero abrir mão de pensar”. Concordo que se a religião impedisse o
pensamento ela seria uma inimiga da humanidade. Caso isso fosse verdade eu
seria o primeiro voluntário para qualquer cruzada que se opusesse a ela.
Acredito, no entanto, que a coisa
não é bem é assim. É claro que a Igreja defende seus dogmas, mas isso não
significa retirar o direito de pensar. Penso que uma má compreensão dos dogmas
gera toda essa confusão. Proponho-me hoje a tentar resolver esse mal entendido.
A palavra dogma contém para a maioria
das pessoas uma conotação negativa e parece dizer respeito a crenças impostas
pela força e que não podem ser questionadas. Quando vistos dessa maneira os
dogmas realmente funcionam como cabrestos para o pensamento, uma vez que se
tornam crenças que, por não admitirem questionamento, passam a carecer de
fundamentação.
Esta concepção dos dogmas é
incentivada por muitos que, ao professarem uma crença, olham com suspeita para
aqueles que pensam de outra maneira. Penso que tais pessoas, quando se
escandalizam diante das dúvidas de outras, prestam um desserviço ao credo que afirmam
acreditar.
Quero propor outra forma de
pensar os dogmas que, embora não seja original, pode surpreender muita gente.
Os dogmas não são um grande “cala a boca” para os que duvidam, mas as condições
de existência de um sistema de crenças. Para ilustrar tal ponto utilizarei,
como bom brasileiro, o exemplo do jogo de futebol. Acredito que não cause espanto
a ninguém o fato de que o futebol é jogado com os pés, que bola dever ser redonda
e que a vitória é do time que fizer mais gols. Estes são os dogmas do futebol.
Qualquer pessoa pode questionar qualquer uma destas afirmações. O que não é
possível é que o futebol continue a existir sem as mesmas.
A inquestionabilidade de um dogma
deve ser compreendida como um resguardo da identidade. Convido o leitor a
tentar pensar em uma democracia representativa que não defenda a igualdade dos
cidadãos, ou um feminismo que defenda a superioridade masculina. A negação de
um dogma dissolve a crença. Da mesma forma que não é possível imaginar um
ateísmo que afirme Deus, é impossível afirma um catolicismo politeísta ou ateu.
Um católico sempre poderá negar
um dogma da Igreja, o que não poderá é continuar sendo católico após fazer
isso. Tal exclusão não ocorrerá por expulsão, mas pela mera consequência de não
acreditar mais naquilo que um dia professou.
Um ponto que julgo importante
levantar é que o consenso cristão em torno de um dogma não é algo leviano, mas
fruto de muito pensamento. Um dogma só é proclamado após muita discussão e não
é conseqüência de uma conversa banal ou de uma personalidade teimosa. Outro
ponto importante é que um dogma, no catolicismo, não é algo que vêm de cima
para baixo. A dinâmica é justamente contrária – um dogma é uma crença já
professada pelo povo cristão e que após muito estudo (e oração) é percebido
como essencial e necessário.
Talvez, nesse momento, o leitor
possa questionar da seguinte maneira: “Tudo bem. Entendi que os dogmas não são
um autoritarismo, mas a grande questão é se eles são verdadeiros ou não”. Se
isso estiver acontecendo terei atingido meu objetivo, afinal toda a questão
está aí. A Igreja não é zelosa com os
dogmas por conservadorismo, mas procura conservá-los por julgar que são
verdadeiros.
Vale ressaltar, que para quem não
é católico, os dogmas constituem uma proposta e não uma imposição. Converter-se
a uma religião significa ser convencido
por aquilo que ela professa. Um dos principais fatos que mostram que os
dogmas católicos não são construções arbitrárias e impostas, encontra-se na conversão de ateus e
daqueles que professam outros credos.. Tais pessoas debatem os conteúdos dos dogmas e, em algum momento,
passam a considerá-los verdadeiros. Na história, várias foram as pessoas que viveram esse processo.
Como exemplo, cito três que admiro bastante: Jacques Maritain, Chesterton,
Alceu Amoroso Lima.
Um dogma, para quem não crê, deve
ser uma provocação e para quem crê constitui um tesouro. Negar uma crença
simplesmente porque muitas pessoas se esforçam por conservá-la não é uma atitude
muito racional. Penso que o problema não são os dogmas como foram aqui
definidos, mas o dogmatismo, ou seja, o fechar-se ao diálogo e recusar-se a
pensar. Tal posição, infelizmente, não é monopólio de nenhum grupo específico.
Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia - Fundador da Oficina de Valores
2 comments:
Em algum momento da história da igreja um dogma mudou ou deixou de ser dogma?
Até onde sei, não.
abraços
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