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#AvanteOficina

Por: Alessandro


(Imagem copiada de www.internetmonk.com. Utilização puramente irônica.)

Vez por outra, alguém demonstra surpresa quando descobre que professo uma fé.  Admito que ficaria triste se a motivação para isso fosse o fato de que minha conduta demonstra o contrário do que falo, se os valores que vivo em meu cotidiano fossem contraditórios com a crença que professo. Apesar de minhas limitações, o motivo parece não ser esse. As pessoas se surpreendem ao saber que sou católico porque julgam que isso não
combina com minha formação acadêmica e interesse pelo conhecimento.

Antes que o leitor tenha uma impressão errada sobre mim, assumo que não sou genial, nem erudito. Sou apenas interessado. Minha formação é em sociologia e gosto muito de filosofia, literatura e teologia. Boa parte de meu trabalho até hoje consistiu em dar aulas, seja na universidade, seja no Ensino Médio. Diversos alunos com senso crítico apurado e interesse por questões mais abrangentes se aproximaram de mim durante esse meu tempo de docência. Os conteúdos das disciplinas que leciono favorecem bastante essa postura. Sempre fiquei feliz com tal aproximação e foi justamente por causa dela que pude perceber o espanto dos alunos frente minha opção perante a vida. Percebi a mesma reação em colegas de universidade e profissão.

Uma das questões que muito amigos e colegas sempre levantaram, nas diversas conversas que já tive sobre a fé religiosa, foi a dos dogmas. Ouvi por diversas vezes as seguintes frases: “O problema da religião são os dogmas”, “Sou crítico demais para aceitar dogmas” e “Não quero abrir mão de pensar”. Concordo que se a religião impedisse o pensamento ela seria uma inimiga da humanidade. Caso isso fosse verdade eu seria o primeiro voluntário para qualquer cruzada que se opusesse a ela.

Acredito, no entanto, que a coisa não é bem é assim. É claro que a Igreja defende seus dogmas, mas isso não significa retirar o direito de pensar. Penso que uma má compreensão dos dogmas gera toda essa confusão. Proponho-me hoje a tentar resolver esse mal entendido.

A palavra dogma contém para a maioria das pessoas uma conotação negativa e parece dizer respeito a crenças impostas pela força e que não podem ser questionadas. Quando vistos dessa maneira os dogmas realmente funcionam como cabrestos para o pensamento, uma vez que se tornam crenças que, por não admitirem questionamento, passam a carecer de fundamentação.

Esta concepção dos dogmas é incentivada por muitos que, ao professarem uma crença, olham com suspeita para aqueles que pensam de outra maneira. Penso que tais pessoas, quando se escandalizam diante das dúvidas de outras, prestam um desserviço ao credo que afirmam acreditar.

Quero propor outra forma de pensar os dogmas que, embora não seja original, pode surpreender muita gente. Os dogmas não são um grande “cala a boca” para os que duvidam, mas as condições de existência de um sistema de crenças. Para ilustrar tal ponto utilizarei, como bom brasileiro, o exemplo do jogo de futebol. Acredito que não cause espanto a ninguém o fato de que o futebol é jogado com os pés, que bola dever ser redonda e que a vitória é do time que fizer mais gols. Estes são os dogmas do futebol. Qualquer pessoa pode questionar qualquer uma destas afirmações. O que não é possível é que o futebol continue a existir sem as mesmas.

A inquestionabilidade de um dogma deve ser compreendida como um resguardo da identidade. Convido o leitor a tentar pensar em uma democracia representativa que não defenda a igualdade dos cidadãos, ou um feminismo que defenda a superioridade masculina. A negação de um dogma dissolve a crença. Da mesma forma que não é possível imaginar um ateísmo que afirme Deus, é impossível afirma um catolicismo politeísta ou ateu.

Um católico sempre poderá negar um dogma da Igreja, o que não poderá é continuar sendo católico após fazer isso. Tal exclusão não ocorrerá por expulsão, mas pela mera consequência de não acreditar mais naquilo que um dia professou.

Um ponto que julgo importante levantar é que o consenso cristão em torno de um dogma não é algo leviano, mas fruto de muito pensamento. Um dogma só é proclamado após muita discussão e não é conseqüência de uma conversa banal ou de uma personalidade teimosa. Outro ponto importante é que um dogma, no catolicismo, não é algo que vêm de cima para baixo. A dinâmica é justamente contrária – um dogma é uma crença já professada pelo povo cristão e que após muito estudo (e oração) é percebido como essencial e necessário.

Talvez, nesse momento, o leitor possa questionar da seguinte maneira: “Tudo bem. Entendi que os dogmas não são um autoritarismo, mas a grande questão é se eles são verdadeiros ou não”. Se isso estiver acontecendo terei atingido meu objetivo, afinal toda a questão está aí.  A Igreja não é zelosa com os dogmas por conservadorismo, mas procura conservá-los por julgar que são verdadeiros.

Vale ressaltar, que para quem não é católico, os dogmas constituem uma proposta e não uma imposição. Converter-se a uma religião significa ser convencido  por aquilo que ela professa. Um dos principais fatos que mostram que os dogmas católicos não são construções arbitrárias e  impostas, encontra-se na conversão de ateus e daqueles que professam outros credos.. Tais pessoas  debatem  os conteúdos dos dogmas e, em algum momento, passam a considerá-los verdadeiros. Na história,  várias foram as pessoas que viveram esse processo. Como exemplo, cito três que admiro bastante: Jacques Maritain, Chesterton, Alceu Amoroso Lima.

Um dogma, para quem não crê, deve ser uma provocação e para quem crê constitui um tesouro. Negar uma crença simplesmente porque muitas pessoas se esforçam por conservá-la não é uma atitude muito racional. Penso que o problema não são os dogmas como foram aqui definidos, mas o dogmatismo, ou seja, o fechar-se ao diálogo e recusar-se a pensar. Tal posição, infelizmente, não é monopólio de nenhum grupo específico.

Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia - Fundador da Oficina de Valores

2 comments:

Anônimo disse...

Em algum momento da história da igreja um dogma mudou ou deixou de ser dogma?

Alessandro Garcia disse...

Até onde sei, não.
abraços

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