Por: Alessandro
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Imagem de: www.vice.com |
Não é novidade para ninguém (assim espero!) que na última semana o Brasil foi palco de diversas manifestações. As primeiras
aconteceram em São Paulo, sendo seguidas por outras em diversas cidades de nosso
país. Houve certa polêmica em virtude de atitudes de vandalismo de alguns manifestantes e,
principalmente, da violência policial* com que os protestos foram reprimidos.
As manifestações ganharam a
internet e as diversas mídias. Alguns apoiaram, outros criticaram. Houve aqueles que afirmaram
ser tudo uma espécie de
golpe orquestrado em virtude da eleições do próximo ano. Não
faltaram também os que disseram que o gigante despertou, que uma nova onda de participação
política começou no país e que uma verdadeira revolução se avizinha. Entre estas duas
opiniões, dezenas de outras existem com matizes diferentes e talvez mais sóbrios.
E eu? O que eu penso sobre as
manifestações? Sinceramente, não sei ainda. Tenho uma característica que em algumas
vezes é um defeito e em outras uma qualidade. Não consigo deixar de ouvir com atenção os
diversos lados e demoro a emitir juízos. Não é raro que eu mude meu posicionamento sobre
algo. Posso dizer apenas que fico distante dos dois extremos que enunciei acima, mas
confesso que ainda estou pensando. Há apenas duas coisas de que tenho convicção: nosso país
tem sérios problemas e um sistema democrático só funciona se existir uma cultura de
participação cidadã. Ainda não consigo fazer um diagnóstico das manifestações, mas entendo e
admiro quem não se recolhe no seu mundinho e tenta contribuir, de maneira correta
ou equivocada, para o bem comum.
Para não correr o risco da
hipocrisia, devo dizer que o interesse pela política não é algo que possuo por personalidade.
Admito que, em muitos aspectos, sou platônico, ou seja tenho mais gosto pelas ideias e
interesses de cunho mais “literário” (uso esta, por não encontrar palavra melhor). Ao mesmo tempo tenho
dificuldade com adesões ideológicas absolutas, o que faz com que eu não me sinta bem
nem à direita, nem à esquerda. Acho que a realidade foge às receitas, tanto liberais
quanto marxistas, e sinceramente lamento quando as brigas pelo poder, talvez intrínsecas ao sistema,
tomam o lugar do bem comum.
Talvez eu seja mais marcado do
que gostaria pelo individualismo egoísta dos nossos tempos, talvez seja apegado aos meus
pequenos confortos. No entanto, julgo que meu temperamento realmente não seja dos mais
aptos à atividade política. Por diversas vezes na vida, exerci papéis de liderança e mobilização,
mas nunca me senti confortável neles. Apesar de tudo isso, admito que pensar e agir
politicamente não é uma questão de gosto, mas de necessidade.
Há um mundo à nossa volta.
Este mundo é composto de maravilhas e dramas. Muito que nele há, nós recebemos. Mas há uma
grande parte que construímos. E nessa grande obra que realizamos há marcas de nossa
miséria e de nossa grandeza. Não creio que um mundo perfeito seja possível, por isso
desconfio das utopias. Mas uma sociedade melhor do que a nossa não é apenas uma possibilidade, mas
uma necessidade. E dificilmente aquilo que é necessário pode ser considerado
impossível.
Muito já se falou sobre a cultura de morte contemporânea. Cultura
que desvaloriza o humano, o instrumentaliza e priva de
uma dignidade que possui desde a concepção. Cultura que faz com que aqueles que podem se
encastelem em playgrounds que os distraem do desespero. Cultura que nos torna frios à dor do
outro, ou que nos convence de que não há nada a fazer. Cultura de vazio e de um conformismo que
por vezes se traveste de rebeldia. Somam-se e mesclam-se a esta
cultura, os diversos problemas políticos e econômicos. Saúde e educação subfinanciados e/ou
mal gerenciados. Corrupção. Baixos salários. Inflação. Índices de desigualdade gritantes. E uma
longa lista que todos podem recitar de cor.
O tamanho do drama gera a
sensação de fatalidade, o que por sua vez gera inação. A inação aumenta o drama e o círculo
recomeça. Não quero hoje lançar um panfleto dizendo “vamos todos a luta”. Se fizesse isso
estaria apenas utilizando uma frase pronta que poderia até ficar bonita, mas que provavelmente
não motivaria nem a mim. Quero apenas compartilhar um exame de consciência e começar
uma mudança em mim e, quem sabe, tocar outros.
Volto a dizer que não posso
ainda formar um juízo sobre as manifestações, apenas sobre as diversas situações que levaram
a ela. Situações bem problemáticas e que geram uma insatisfação que faz com que
uma gota d’água, ou vinte centavos, desencadeie o que vimos nos últimos dias. Creio
que tanto os que discordam quanto os que concordam com as manifestações estão em
consenso quando a questão é que precisamos de melhoras. Penso que para os que concordam, o
momento deve ser de manter a chama acesa e ao mesmo tempo assimilar as boas críticas
para melhorar o movimento. Já os que discordam devem procurar formas de atuação que julguem
mais corretas ou eficazes.
E para aqueles que, assim como
eu, não tem a política como vocação, mas não desejam ficar alheios ao mundo, cabem alguns
conselhos. O primeiro é: informe-se. Busque informação, não leia apenas jornais sobre
esportes ou revistas de fofocas. Por mais que os meios de comunicação tenham lá seus
limites, só temos condições de criticá-los quando temos contato com a informação produzida. O
segundo: busque envolver-se. Participe de algum projeto coletivo. Pode ser a
associação de moradores, a reunião de condomínio, o grêmio da escola, uma ONG. Não digo que o mundo
será mudado a partir disso, mas é importante educar-se para o bem comum e para a
participação democrática.
Para todos nós é também
importante a insistência no pensar. Partidos possuem programas e ideologias, que podem ser
interessantes e eficazes. No entanto, nunca devemos ceder nossa consciência a outros. Ninguém
deve apenas “seguir ordens”, mas abraçar conscientemente projetos. Muito mal já foi
feito por pessoas que julgavam estar lutando por um mundo melhor, mas apenas se deixaram
instrumentalizar.
Convém não esquecer que o
pensar não é tudo. O mundo não se fará melhor apenas por grandes ideias e senso crítico
aguçado. “Palavras sem obras são tiros sem balas”, já dizia nosso grande Pe. Antônio Vieira. Ou
para citar outro dos grandes de nossa literatura: “Trago apenas duas mãos e o sentimento do
mundo”. Sentimento que angustia e move. Mãos que embora sejam insuficientes, não
deixam de ser necessárias.
*Embora no texto não aborde diretamente a questão,
quero deixar claro que pessoalmente repudio a depredação do patrimônio público e a atitude truculenta
de diversos policiais tanto de São Paulo quanto do Rio de Janeiro.
Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia / Fundador da Oficina de Valores
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