Bilbo e o medo de arriscar
Imagem: divulgação
Uma casa confortável em um lugar
calmo, um bom e farto almoço (bem, talvez dois..) e no dia seguinte tudo de
novo, tudo sobre controle. Dadas todas as mudanças pelas quais uma vida passa,
quantos anos uma pessoa consegue viver assim? Dez? Vinte?
Bilbo Bolseiro conseguiu viver
por cinquenta.
Quem já leu os livros de Tolkien
consegue perceber que o tempo é contado de uma forma um pouco diferente para os
hobbits, mas mesmo nesse contexto há de se considerar que cinquenta anos é
bastante tempo.
Em um dia comum, enquanto Bilbo
fumava seu cachimbo tranquilamente, eis que Gandalf aparece naquela região. É
claro que ele já havido falar de Gandalf, o cinzento, e sabia também que sua
presença ali significava uma coisa: aquela rotina tranquila e sem novidades no
Condado ia ser interrompida por alguma coisa. E eis que o mago faz ao hobbit
uma proposta: sua participação em uma aventura, sendo o ladrão da expedição.
A primeira reação de Bilbo foi
rechaçar a ideia. Uma aventura? Dormir ao relento, passar perigos, conviver com
anões, não ter horário certo para jantar e talvez sequer ter o que jantar?
Parecia uma completa loucura.
Porém, Gandalf não desistiu dele
e achou que seria possível persuadí-lo a se juntar a expedição se pudesse
fazê-lo sentir um gostinho do que seria essa aventura. Assim, Gandalf o
surpreende com 12 anões comilões, barulhentos e bagunceiros, mas que tinham uma
paixão enorme pela missão que se seguiria. E isso de alguma forma mexeu com
Bilbo, que depois de muito relutar resolveu se juntar aos anões rumo a Montanha
da Perdição. Ele não foi porque se impressionou com o dinheiro que poderia ganhar
se eles fossem bem-sucedidos e sim por pensar em como um acontecimento desse
mudaria sua vida.
A pergunta é: alguém se
identifica com a história de vida de Bilbo Bolseiro? Em nossas vidas, a maior
parte do tempo é rotina, mas existem alguns momentos em que algumas mudanças
significativas se apresentam a nós e, junto com elas, o medo de mudar. Ir para
a faculdade, mudar de cidade, deixar um emprego, deixar a casa dos pais, sair
de um relacionamento, ou dar um passo maior nele, dizer sim a alguma
responsabilidade, abandonar algum antigo hábito... São coisas que eventualmente
vão se apresentar nas nossas vidas. E quem não sente um frio na barriga diante
de uma mudança grande?
A mudança costuma se apresentar
como uma coisa dilacerante, mesmo quando ela é para melhor, e mesmo quando ela
é inevitável. E se nós não tivermos a coragem de topar uma aventura de vez em
quando, corremos o risco de deixar o medo decidir por nós nessas horas.
Mas querem saber? Nós somos muito
mais resilientes do que pensamos e a verdade é que a gente consegue se acostumar
com qualquer coisa quando acredita que a mudança é para melhor. Um emprego que
me deixe realizada compensa uma mudança de cidade; a alegria da chegada de um
filho é muito maior do que que ter que renunciar a minha individualidade;
renunciar a um habito ruim pode me dar uma liberdade que eu nem imagino até
experimentar...
Uma passagem interessante nessa
história, que se lê nas entrelinhas, é o quanto Gandalf acreditou em Bilbo ao
chamá-lo para aquela missão. O que o hobbit acreditou ser um terrível engano
era na verdade uma confiança que o mago dava a ele, por algo que já lhe
pertencia. Quando, por exemplo, Gandalf lhe disse que ele seria um ótimo
ladrão, Bilbo Bolseiro não acreditou naquilo, e só depois se deu conta do
quanto ele poderia ser silencioso, furtivo e chegar e sair sem ser facilmente
notado.
E já imaginaram o quanto nosso
amigo do Condado teria perdido se preferisse sua vida confortável e não fosse à
aventura? Bilbo certamente nunca descobriria diversas qualidades que ele descobriu
e não se confrotaria com alguns defeitos, como o fato de não lidar bem com
críticas. Ele não só descobriu esse defeito como também teve opotunidade de
lutar para vencê-lo.
Um segundo presente que ganhou
foi a companhia. O hobbit vivia sozinho em sua toca e. por um lado, viver
sozinho é extremamente fácil. Mas a obrigação de conviver com outros, e principalmente,
com anões, que tinham habitos completamente diferentes, o fez ser mais
tolerante, sair do conforto de sua rotina e experimentar abdicar de suas manias
por um bem maior.
Em terceiro lugar, e mais
importante, Bilbo Bolseiro teve uma coisa que muita gente passa a vida sem
experimentar: poder viver para alguma coisa que é maior que si mesmo. Quando
abraçou a missão de expulsar o dragão Smaug das Montanhas da Perdição, seus
objetivos deixaram de ser apenas seus dias tranquilos e suas boas refeições.
Seu ideal passou a ser devolver o tesouro e a cidade a tantos anões que ha anos
estavam dispersados e sem seu lar, algo com o qual ele nem sequer se preocupava
dias antes.
E na minha vida? Eu tenho
dimensão de quanto posso ganhar e quanto posso aprender em uma mudança? Os mais
velhos e mais experientes concordam com uma coisa que já ouvi repetidas vezes e
que ainda é tão dificil aceitar no meio das situações que passamos: até de
experiências negativas podemos colher coisas boas.
Assim como Bilbo, aceitar as
mudanças nos dá uma nova percepção da vida. Conhecer gente nova e lugares novos
muda as pessoas. Saber que a vida é muito mais do que a minha toca no Condado
faz de mim uma pessoa melhor. Faz de mim mais humano.
Bilbo arriscou sua vida indo
nessa aventura e ele estava ciente disso quando assinou seu contrato de
jornada. Mas que risco maior ele poderia correr do que passar a vida sem ter
algo que desse sentido a ela? No final das contas, aceitar a mudança mudou sua
vida, e não apenas enquanto durou a aventura.
A mudança transformou Bilbo
enquanto estava lá e também quando estava de volta outra vez.
Fernanda Gonzalez
Mestranda em Engenharia Urbana
Oficina de Valores
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