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#AvanteOficina

14:26
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Por: Fernanda


Bilbo e o medo de arriscar

Imagem: divulgação


Uma casa confortável em um lugar calmo, um bom e farto almoço (bem, talvez dois..) e no dia seguinte tudo de novo, tudo sobre controle. Dadas todas as mudanças pelas quais uma vida passa, quantos anos uma pessoa consegue viver assim? Dez? Vinte?

Bilbo Bolseiro conseguiu viver por cinquenta.

Quem já leu os livros de Tolkien consegue perceber que o tempo é contado de uma forma um pouco diferente para os hobbits, mas mesmo nesse contexto há de se considerar que cinquenta anos é bastante tempo.

Em um dia comum, enquanto Bilbo fumava seu cachimbo tranquilamente, eis que Gandalf aparece naquela região. É claro que ele já havido falar de Gandalf, o cinzento, e sabia também que sua presença ali significava uma coisa: aquela rotina tranquila e sem novidades no Condado ia ser interrompida por alguma coisa. E eis que o mago faz ao hobbit uma proposta: sua participação em uma aventura, sendo o ladrão da expedição.

A primeira reação de Bilbo foi rechaçar a ideia. Uma aventura? Dormir ao relento, passar perigos, conviver com anões, não ter horário certo para jantar e talvez sequer ter o que jantar? Parecia uma completa loucura.

Porém, Gandalf não desistiu dele e achou que seria possível persuadí-lo a se juntar a expedição se pudesse fazê-lo sentir um gostinho do que seria essa aventura. Assim, Gandalf o surpreende com 12 anões comilões, barulhentos e bagunceiros, mas que tinham uma paixão enorme pela missão que se seguiria. E isso de alguma forma mexeu com Bilbo, que depois de muito relutar resolveu se juntar aos anões rumo a Montanha da Perdição. Ele não foi porque se impressionou com o dinheiro que poderia ganhar se eles fossem bem-sucedidos e sim por pensar em como um acontecimento desse mudaria sua vida.

A pergunta é: alguém se identifica com a história de vida de Bilbo Bolseiro? Em nossas vidas, a maior parte do tempo é rotina, mas existem alguns momentos em que algumas mudanças significativas se apresentam a nós e, junto com elas, o medo de mudar. Ir para a faculdade, mudar de cidade, deixar um emprego, deixar a casa dos pais, sair de um relacionamento, ou dar um passo maior nele, dizer sim a alguma responsabilidade, abandonar algum antigo hábito... São coisas que eventualmente vão se apresentar nas nossas vidas. E quem não sente um frio na barriga diante de uma mudança grande?

A mudança costuma se apresentar como uma coisa dilacerante, mesmo quando ela é para melhor, e mesmo quando ela é inevitável. E se nós não tivermos a coragem de topar uma aventura de vez em quando, corremos o risco de deixar o medo decidir por nós nessas horas.

Mas querem saber? Nós somos muito mais resilientes do que pensamos e a verdade é que a gente consegue se acostumar com qualquer coisa quando acredita que a mudança é para melhor. Um emprego que me deixe realizada compensa uma mudança de cidade; a alegria da chegada de um filho é muito maior do que que ter que renunciar a minha individualidade; renunciar a um habito ruim pode me dar uma liberdade que eu nem imagino até experimentar...

Uma passagem interessante nessa história, que se lê nas entrelinhas, é o quanto Gandalf acreditou em Bilbo ao chamá-lo para aquela missão. O que o hobbit acreditou ser um terrível engano era na verdade uma confiança que o mago dava a ele, por algo que já lhe pertencia. Quando, por exemplo, Gandalf lhe disse que ele seria um ótimo ladrão, Bilbo Bolseiro não acreditou naquilo, e só depois se deu conta do quanto ele poderia ser silencioso, furtivo e chegar e sair sem ser facilmente notado.

E já imaginaram o quanto nosso amigo do Condado teria perdido se preferisse sua vida confortável e não fosse à aventura? Bilbo certamente nunca descobriria diversas qualidades que ele descobriu e não se confrotaria com alguns defeitos, como o fato de não lidar bem com críticas. Ele não só descobriu esse defeito como também teve opotunidade de lutar para vencê-lo.

Um segundo presente que ganhou foi a companhia. O hobbit vivia sozinho em sua toca e. por um lado, viver sozinho é extremamente fácil. Mas a obrigação de conviver com outros, e principalmente, com anões, que tinham habitos completamente diferentes, o fez ser mais tolerante, sair do conforto de sua rotina e experimentar abdicar de suas manias por um bem maior.

Em terceiro lugar, e mais importante, Bilbo Bolseiro teve uma coisa que muita gente passa a vida sem experimentar: poder viver para alguma coisa que é maior que si mesmo. Quando abraçou a missão de expulsar o dragão Smaug das Montanhas da Perdição, seus objetivos deixaram de ser apenas seus dias tranquilos e suas boas refeições. Seu ideal passou a ser devolver o tesouro e a cidade a tantos anões que ha anos estavam dispersados e sem seu lar, algo com o qual ele nem sequer se preocupava dias antes.

E na minha vida? Eu tenho dimensão de quanto posso ganhar e quanto posso aprender em uma mudança? Os mais velhos e mais experientes concordam com uma coisa que já ouvi repetidas vezes e que ainda é tão dificil aceitar no meio das situações que passamos: até de experiências negativas podemos colher coisas boas.

Assim como Bilbo, aceitar as mudanças nos dá uma nova percepção da vida. Conhecer gente nova e lugares novos muda as pessoas. Saber que a vida é muito mais do que a minha toca no Condado faz de mim uma pessoa melhor. Faz de mim mais humano.

Bilbo arriscou sua vida indo nessa aventura e ele estava ciente disso quando assinou seu contrato de jornada. Mas que risco maior ele poderia correr do que passar a vida sem ter algo que desse sentido a ela? No final das contas, aceitar a mudança mudou sua vida, e não apenas enquanto durou a aventura.

A mudança transformou Bilbo enquanto estava lá e também quando estava de volta outra vez.

Fernanda Gonzalez
Mestranda em Engenharia Urbana
Oficina de Valores

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