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Sam: o herói amigo ou o
amigo herói?
O Senhor dos Anéis, sem
dúvida alguma, ocupa o primeiro lugar no meu top 10 em Literatura. Claro que o
livro, por si só, é gigantesco, não só pelo número de páginas, mas, sobretudo,
pela capacidade de nos levar a uma época primordial, com todo o encantamento
que Tolkien tem para nos oferecer. Ao pensar no livro muitas cenas vêm à minha
mente, o cenário em que se passa a história, a descrição minuciosa de tudo. No
interior de uma obra assim, há uma gama bastante variada de personagens e os que julgo mais interessantes são Gandalf, Aragorn e Sam.
A reflexão do texto,
hoje, será sobre este último personagem: Samwise Gamgi. Ao olharmos a
trajetória de nosso querido Sam na história, desde o início observamos uma
característica mais marcante, aquilo que o torna um herói: a amizade. Por isso
o questionamento do título. Sam é um herói por que é um amigo ou é um amigo por
que é um herói? Já respondendo à pergunta, ele só se torna um herói porque
soube ser um amigo. A história da qual o personagem faz parte é uma história hobittocêntrica, isto é, os hobbits
desempenham o papel central na trama. Pensando bem, esses serezinhos habituados
às coisas simples e amantes de uma vida pacata não poderiam fazer diferença
quase nenhuma, comparados aos superpersonagens, mas é aí que Tolkien quer
mostrar e trabalhar com o enobrecimento dos pequenos, das pequenas atitudes que
têm a capacidade de mudar tudo.
Algumas atitudes ilustram
muito bem isso que eu estou falando. O exercício do texto não é fazer verificar
se as pessoas são um “Sam” na sua vida, mas se você tem conseguido sê-lo na
vida das pessoas. Ao pensar na história de Frodo, e consequentemente na de Sam,
lembro-me de dois capítulos muito marcantes. O primeiro é quando Frodo tenta se
desvencilhar da Sociedade do Anel, porque sabia que a jornada que empreendia
era muito arriscada e não queria colocar Sam e os outros em perigo. Ele tenta
ir embora sozinho, mas Sam se dá conta e começa procurá-lo com desespero.
Quando o encontra, Frodo o alerta para o risco de morrer no caminho e a
resposta de Sam é genial: “Não seria uma morte tão certa quanto a de ser
deixado para trás”. Ele vai com o amigo livremente.
Sam sabia dos riscos que
correria e mesmo assim quis caminhar ao lado do amigo. Nós, muitas vezes, já
não temos tempo para ser como o Sam, não temos tempo para ser amigos. Não temos
tempo para trilhar a vida ao lado de alguém com quem nos importamos. O que
quero dizer não é que devamos deixar de viver nossa vida para estar com alguém,
mas que toda amizade é um êxodo, é uma saída de si para ir ao encontro do outro
e esse outro, muitas vezes, tem a capacidade de nos fazer tocar o
Extraordinário. É muito duro viver uma vida inteira sem passar pela experiência
da amizade, e isso tem sido uma realidade muito presente. E é claro que não se
envolver não gera problemas, mas também não envolve amor e quantas vezes nossas
relações de amizade são superficiais, não conseguimos manter um laço profundo e
duradouro.
A outra parte que me
marca bastante é quando Sam e Frodo já estão em Mordor, quase chegando à Montanha
da Perdição. Os dois estão exaustos e Frodo não consegue dar um passo, também
pelo peso do fardo que carregava, O Anel. Sam então o pega e coloca-o nas
costas e começa a subir. Quando li pela primeira vez, antes de assistir ao
filme, achei impressionante a descrição da cena. Alguém exausto que se dispõe a
carregar alguém mais cansado ainda. Não se pode imaginar um amor sem sacrifício
e em nossas vidas essa cena se repete muitas vezes, é claro que não carregando
fisicamente, mas pessoas nos ajudando nos momentos de dificuldade, de
sublevação, alguém que nos acalme. Como é bom experimentar o sacrifício de
alguém por nós! E também poder ser um ombro amigo quando alguém chega a Mordor,
nos momentos de crise.
Já falei que acho Sam o
personagem mais digno de admiração em O Senhor dos Anéis e há ainda muitas
coisas nele a nos ensinar: Sam foi alguém que não desistiu de Frodo, mesmo
quando seu amigo agiu com hostilidade. Sam viu seu amigo fracassar e se manteve
ao seu lado. O amigo tem essa capacidade de não nos deixar parar e de nunca nos
abandonar, ainda que as dificuldades sejam épicas.
Uma amizade madura exige
tempo, paciência e constância e por isso precisamos viver em um contínuo
treinamento, ser um bom amigo é exercício de uma vida inteira. Às vezes, as
pessoas não precisam do seu conselho, da sua palavra de sabedoria, da sua
inteligência, enfim, dos seus dons, precisam de você, de alguém que as escute,
de alguém que seja presente, mesmo não estando presente fisicamente. Ser amigo
consiste também em saber esperar o momento do outro, amar, carregar, ouvir,
chorar, rir, respeitar, perdoar, compreender. Dar a vida nas pequenas coisas.
Muito provavelmente o seu
fardo, em uma amizade, não será acompanhar alguém para destruir o Um Anel, mas
será permanecer fiel na vida, não será lutar contra Laracna, mas lutar contra
os medos juntos. Será dar a mão que levanta quando as esperanças já vão se
dissipando. Isso é ser um Sam. Alguns amigos já me decepcionaram, outros eu já
decepcionei, outros ainda me ensinam o significado da palavra amizade. Mas uma
certeza eu tenho: “Um amigo leva a gente pra longe”.
Licenciada em Letras / Coordenadora da Oficina de Valores
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