A coragem e o Leão covarde
Imagine um enorme e assustador
leão. Agora imagine que ele é perdidamente covarde. Todo mundo espera que ele
seja o Rei da Floresta, mas seu coração bate depressa quando ele está diante de
qualquer perigo. Esse é o dilema de um dos companheiros de Dorothy na jornada
em busca do Maravilhoso Mágico de Oz, na obra de L. Frank Baum.
O Leão Covarde, assim como o
Homem de Lata e o Espantalho, é profundamente descontente com si mesmo. Ele
acredita que tem algo de muito errado com ele, pois como pode um leão estar
sempre se sentindo aterrorizado? Ele se junta a Dorothy e aos outros justamente
na esperança de que o Mágico de Oz possa dar a ele coragem, pois para ele, sem
ela, “a vida é simplesmente insuportável”.
Em várias situações durante a
aventura, eles passaram por grandes perigos. Foram perseguidos por um grupo de
Kalidahs (criaturas terríveis, com corpo de urso e cabeça de tigre!),
aprisionados pela maligna Bruxa do Oeste, e aterrorizados por uma aranha do
tamanho de um elefante! E em cada uma dessas situações, o Leão sempre tremia de
medo.
Ironicamente, porém, é o próprio
Leão que salva o grupo desses apuros. Quando são encurralados pelos Kalidahs
e tudo parece perdido, o Leão
prontamente esbraveja: “Não há mais nada a fazer... Mas fiquem atrás de mim! Eu
lutarei contra eles até morrer!” Quando a Bruxa aprisiona o Leão para
domesticá-lo e forçá-lo a puxar sua carruagem, ele resiste à fome e à sede até
quase a morte. Quando eles entram na floresta sombria, o Leão concorda em enfrentar
a monstruosa aranha para libertar os animais de sua tirania.
O Leão é, portanto, esse estranho
personagem que está sempre tremendo de medo dos perigos que aparecem, mas que
enfrenta esses perigos apesar disso. Ele sempre teve vários medos e sempre quis
coragem para que esses medos acabassem. Quando finalmente ele encontra o Mágico
de Oz, o mágico lhe faz uma poderosa revelação: a verdadeira coragem não é não
ter medo de nada, mas consiste em enfrentar o perigo mesmo com medo. E dessa coragem o
Leão sempre esteve cheio.
Este ensinamento pode parecer
bastante óbvio, depois que você o entende. Mas para mim foi uma descoberta que
me impressionou bastante e continua ainda a
impressionar. Eu sempre me vi como uma pessoa medrosa. É normal que as
crianças tenham um medo especial de uma coisa em particular. Umas têm medo de
escuro, outras de ladrão, outras de fantasma. Eu tinha medo disso tudo aí. E me
sentia muito mal por isso.
Hoje, com 27 anos, ainda tenho um
monte de medos. Tenho medo de agulha, medo de dentista, medo de ficar
sozinho... E às vezes me sinto mal por isso também. Só que hoje eu me lembro do
Leão, e percebo que esses medos não me diminuem. Pelo contrário! Eles são
oportunidades para que, ao enfrentá-los, eu possa ser corajoso. Dizem os
filósofos que o ato próprio da coragem é suportar. Pois bem, eu tenho feito o
firme propósito de doar sangue sempre que possível, a despeito da agulha que
mais parece um cano de PVC. Vou ao dentista de seis em seis meses (o legal é
que aprendi que fazendo isso, as chances dele ligar aquela maquininha do
inferno diminuem). E tenho procurado não evitar o tempo da solidão, que de fato
não é nada agradável, mas no qual eu tenho muito a aprender...
A história do Leão me ensinou que
o grande erro não é ter medos. Covardia é não enfrentá-los. E penso que a pior
covardia mesmo não é tanto sucumbir aos medos que nós sentimos e não sabemos
direito explicar. Dormir com o abajur aceso por medo do escuro não é tanto o
problema. O problema maior é quando nós não somos capazes de enfrentar os
nossos defeitos. Quando deixo de fazer os meus trabalhos do doutorado porque é
custoso para mim, eu sou derrotado pela minha preguiça. Quando faço algo só
para aparecer, sou derrotado pelo meu orgulho. Por isso que C. S. Lewis dizia
que a coragem, de certa forma, é a forma de todas as virtudes, quando elas são
provadas. É preciso virtude para sermos bons, mas é preciso coragem para sermos
melhores.
Mas há ainda uma outra forma de
covardia que é bem comum em nossa sociedade e da qual o Leão Covarde é também
um irônico paralelo. Nós, aqui no Ocidente, vivemos tempos de relativa paz
entre os povos e nossa geração não viveu a guerra, o que faz com que nós não
tenhamos muita razão para temê-la. Nossa cultura é marcada pelo ideal de
tolerância, que muitas vezes é indiscriminada e acaba se tornando relativismo.
Toleramos tudo, e com isso acabamos nos acomodando com tudo. Ou seja, nós nos
convencemos de que somos muitos corajosos porque nos convencemos de que não há
nada a temer. Não temos medo de outros povos e outras culturas. Não temos medo
de estarmos errados. Não temos medo de Deus. A ironia é pensar que, enquanto o
Leão achava que era covarde por ter medo de tudo, nós nos consideramos
corajosos por não termos medo de nada.
Temos que saber enfrentar nossos medos
com bravura. Temos que reconhecer que temos medos sim. E ainda de uma terceira
maneira devemos procurar nos tornar parecidos com o Leão Covarde: temos que nos
colocar a caminho. O Leão só pode mostrar que era de fato corajoso e, no fim da
história, se tornar consciente disso, porque teve coragem de dar o primeiro
passo na estrada de tijolos amarelos. Procuremos também nós dar o primeiro
passo à procura do Mágico de Oz.
Thales Bittencourt
Doutorando em Filosofia - Oficina de Valores
2 comments:
Muito bom! Todos temos um pouco de leão ou leoa covarde. Basta ter consciência e enfrentar os medos... A vida existe para ser vivida. Elisangelasantosm@gmail.com
Que texto maravilhoso. E esses dois últimos parágrafos? Meus parabéns!
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