Por: Alessandro
Há umas três semanas, nosso editor (o Binho) pediu que eu
escrevesse um texto sobre o carnaval para que pudéssemos publicar uma sequência
de artigos sobre o tema. Tentei pensar em alguma coisa, mas não consegui
escrever uma linha. Percebi que nunca havia parado para pensar no carnaval. Não
queria simplesmente fazer um crítica moralista ou tecer comentários vazios. Acho
que a coisa estava tão difícil pelo simples fato de que um texto tem que falar
primeiro àquele que o escreve.
Pois bem, semana passada foi publicado aqui no Blog um texto bem interessante da Fernanda Gonzalez. O artigo foi um comentário a uma música
dos Los Hermanos e teve como título “Todo Carnaval tem seu fim”. Fui provocado
por aquelas palavras e parei para pensar no carnaval, ou quase isso. Pensei
nesta grande festa como uma metáfora. Partilho hoje com vocês minhas reflexões.
Durante o carnaval muito brilho é ostentado, comida e bebida
são consumidas em abundância e a dança e a música são espalhadas. Todos estes
elementos são características praticamente universais daquilo que chamamos de
festa. Penso que o festejar seja intrínseco ao humano. Festejamos por motivos
diversos, o mais simples e talvez mais importante seja o fato de existirmos.
Dando um passo mais além digo que toda a vida humana pode
ser resumida, talvez grosseiramente, em três grandes movimentos: festa, rotina
e luto. Tanto o luto quanto a festa quebram a rotina, sendo que o primeiro
consiste na celebração da perda e o segundo a celebração da alegria. A rotina é
o dia a dia que pode ser vivido de forma positiva ou negativa, alegre ou triste.
A festa e o luto são transbordamentos de elementos que já estão presentes na
rotina, embora de forma quase invisível.
Voltando ao carnaval, penso não ser exagerado dizer que ele
é uma grande quebra da rotina. Em nosso país, se não a maior, ao menos uma das
maiores rupturas com o cotidiano. Quatro dias de festas nas ruas... Em algumas
cidades bem mais que isso... Toda festa, no entanto, tem um fim. Após o
carnaval vem a Quarta de Cinzas, a volta para casa, o recolher o lixo das ruas,
o papo sobre as aventuras e desventuras e, para muitos, uma certa melancolia.
A festa bem vivida deixa saudades, anima para a rotina, dá
novo ânimo para o dia a dia. Há, no entanto, a tentação de que a rotina seja convertida
em uma perpétua festa. Tal desejo, embora compreensível, é irrealizável. Esta
ânsia de eternizar os festejos costuma acabar por ter o efeito contrário; em
vez de convertida em perene festa, a vida torna-se um contínuo luto.
Já ouvi algumas garotas dizerem que sentem uma grande
tristeza ao chegar em casa depois de curtirem uma boa balada. Segundo elas o
vazio bate mais forte quando estão retirando a maquiagem. Talvez possamos usar
uma metáfora carnavalesca e dizer que em muitos casos as máscaras carregam os
sorrisos que somem quando as retiramos.
Não quero que o leitor pense que falo mal do festejar. Longe
de mim tal heresia. Acredito que a festa
é mais que um direito, é uma necessidade humana. Toda necessidade, no entanto
traz seus riscos, venham eles da privação ou do exagero. Um bom exemplo de tal
situação pode ser encontrado na comida. De um lado há o flagelo da fome, do
outro existem as doenças da obesidade. Quer dizer então que pode haver um
exagero no festejar? Sim, pode. Parafraseando uma famosa canção digo que
“festejar tudo é desespero”.
Dois grandes motivos nos levam a festejar: o celebrar e o
fugir. Festejamos a alegria de termos nascido, os resultados positivos em
provas, os rituais que marcam o nascimento de novas famílias. Fugimos das
tristezas e do cansaço. Talvez seja correto dizer que toda festa contém os dois
elementos, ainda que em diferentes proporções.
Não vou dizer que a fuga é algo para covardes e que deve ser
evitada. Dizer isso seria desconsiderar a experiência humana. É claro que
certas escapadelas são importantes. Fugir por alguns instantes do corre-corre é
algo muito bem vindo. No entanto, quando essa fuga se torna uma fuga do
cotidiano e a rotina é vista como um inferno, isso significa que a própria
festa perdeu o sentido. Não há porque fazer festa quando não há mais nada a
celebrar.
Se um carnaval gerar apenas nostalgia pela banda que passou
e ansiedade pelo bloco que, no próximo ano, virá, há algum problema. O hiato é
muito grande para ser apenas uma preparação, exceção feita para os carnavalescos.
E mesmo para estes, o dia a dia é composto de trabalho.
Todo carnaval acaba. Toda festa termina. E é bom que seja assim.
Uma vida sem rotina seria tão entediante quanto uma vida sem festa. A realização
é construída no dia a dia e é na rotina que fabricamos aquilo que será digno de
celebração.
Depois do carnaval...vem a Quarta de Cinzas. Depois de
domingo vem a segunda-feira. Depois da festa vem a rotina. A vida é boa quando
a festa respinga no dia a dia e quando
enxergamos no cotidiano as razões do festejar. Quando o dia seguinte não
vale a pena, isso significa que a festa não foi tão boa assim.
Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia - Fundador da Oficina de valores
0 comments:
Postar um comentário