Dizia um famoso filósofo alemão que, certa vez, havia um homem
a vagar pela cidade gritando: “Onde está Deus?! Onde está Deus?!”. Um grupo de pessoas
que o viam passar e escutavam seu delírio, começaram a rir e a caçoar daquele
homem, dizendo: “Será que Deus se perdeu pelas ruas? Será que tem medo de nós e
se escondeu? Será que embarcou num navio?”. Nesse momento, aquele homem saltou
no meio deles e os trespassou com o olhar: “Onde está Deus?”, gritou. “Eu vos
direi! Deus está morto e eu o matei!”.
Certamente que, ao refletirmos sobre esta ideia, a “notícia”
anunciada pelo filósofo pode nos parecer loucura, blasfêmia, escândalo. Afinal
de contas, Deus é imortal, não pode ser morto por nada nem ninguém. E dizer que
nós o matamos? Isto é impossível! O filósofo e aquele homem responderiam,
porém, que não somos capazes de perceber a profunda verdade proclamada por essa
alarmante frase. Para nos convencer de que Deus está, de fato, morto, eles
teriam apenas que voltar a repetir a mesma pergunta: Onde está Deus? Se Deus
está vivo, para onde podemos olhar e encontrá-lo?
Esta não é uma mera ideia, mas uma dura realidade: Deus está
morto. Para onde quer que olhemos, só vemos os sinais de sua morte e seu
sepultamento. Deus está morto em nossa cultura: cada vez mais nossos costumes e
tradições ignoram a existência de Deus e de sua palavra. Deus foi morto porque
é inútil. Nossa cultura é moderna, científica, esclarecida. Não há lugar para
um ser decrépito e ultrapassado como Deus. Qualquer tipo de referência a Deus
deve ser, por isso, renegada à esfera da religião. E as crenças e doutrinas
religiosas, como sabemos, são questões de “foro privado” e não podem ser
discutidas ou sequer mencionadas na política, na academia e na cultura em
geral. Por favor, que os sinais religiosos sejam arrancados dos locais
públicos! Deus está morto, mas nem disto queremos ser lembrados...
Deus está morto nas famílias e nas igrejas. Quantos são os
noivos e noivas que juram diante de Deus que amarão seus esposos e esposas até
o fim? Ora, é justíssimo que não seja necessário honrar estes juramentos, visto
que sua testemunha é apenas um cadáver... Quantas celebrações, quantos cultos e
reuniões já não acompanhamos tão obrigados e desinteressados, com o único
propósito de cumprir um preceito e sair dali o mais rápido possível? Era como
se estivéssemos em um velório... Não deve haver surpresa alguma quando
descobrimos que se tratavam de velórios de fato!
Deus está morto. Mas quem o matou? Eu o matei. Eu e tu.
Nossas mãos estão sujas com seu sangue, e como e por quem nossa culpa poderá
ser perdoada? O único que poderia nos perdoar está morto, e nós o matamos. Deus
está morto, sobretudo no nosso coração. Eu o conhecia, o tinha como amigo, mas o
traí. Eu o escutava e acreditava em sua palavra, mas me incomodava o fato dele
se meter em minha vida e querer reinar sobre minhas vontades. Não via nele mal
algum, e nele encontrei a Verdade, mas lavei minhas mãos quando queriam
executá-lo. Ele me chamou e mudou minha história, mas quando me perguntaram
sobre ele, eu respondi: não o conheço.
De fato, Deus está morto. Na cultura, na ciência, na
família, nos templos, nas ruas, nos corações... na cruz. E foi lá que ele
morreu, foi lá que eu o matei. Fui eu quem o torturou. Fui eu quem cuspiu em
sua face. Fui eu quem rasgou suas vestes. Fui eu quem colocou a cruz em seus
ombros. A cada martelada que fincava os pregos em sua carne, eu dizia: quero
que você morra, quero que você morra, quero que você morra... Quando já estava morto, eu o transpassei com
a lança. E naquele momento percebi que era ele que poderia me salvar, era ele
que poderia me retirar desta escuridão. Mas era tarde demais. Eu o havia
matado.
Fomos nós. Sim, fomos nós. Só nos resta lamentar... Não há
como voltar atrás, não podemos lhe devolver a vida... A nós nos resta apenas adormecer nesta
solidão, nesta angústia, com esta culpa e este sangue em nossas mãos. Esta é
uma noite de trevas. Pela manhã procuraremos o sepulcro. Visitaremos o defunto,
rolaremos uma última vez a pedra que está à porta, e uma última vez
amarguraremos nossa vitória, a vitória da morte. Não há como escapar deste
fato: Deus está morto... e eu o matei. Eu e tu.
Thales Bittencourt
Doutorando em Filosofia - Oficina de Valores
Este texto faz parte de uma série especial de textos da semana santa deste ano de 2013. Para acessar aos outros textos da série clique aqui.
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