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#AvanteOficina

Por: Alessandro
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Acredito ser uma obviedade a afirmação de que as pessoas surpreendem. De alguma maneira, todos já vivenciamos tais surpresas, tanto para o bem, quanto para o mal. Também não é exagero dizer que as pessoas são um mistério. Mistério inesgotável. Mistério tanto de bondade quanto de iniquidade.

Vez por outra escuto reclamações de pessoas que dizem estar decepcionadas com outras. Isso vai desde o cônjuge traído, até o amigo que ficou incomodado com a postura daquele a
quem ofereceu seus segredos. De alguma maneira, a decepção parece ser uma experiência da qual poucas (provavelmente nenhuma) pessoas conseguem escapar. 

Proponho-me nesse texto a pensar na seguinte questão: por que nos decepcionamos tanto? Claro que no pequeno espaço não darei uma resposta cabal, mas vou trazer alguns pontos que muito me fazem pensar e talvez possam ser de alguma valia a outros também.

Tendo como guia minha experiência, percebo que parte das decepções são um tanto quanto exageradas. As atitudes que as geraram são apenas mal-entendidos ou são coisas pequenas que fomentaram uma reação desproporcional. Penso por exemplo nas muitas vezes em que ouvi a seguinte frase:

- Mas ela fez isso apenas para me irritar.

Claro que há situações em que isso ocorre e ações são planejadas para provocar alguém, mas boa parte das vezes, a coisa não passa de simples coincidência, ou diferença de comportamentos. Tenho dificuldades, por exemplo, em acreditar que um marido planeje previamente apertar a pasta de dentes no meio para irritar a esposa. Provavelmente ele apenas não conseguiu livrar-se do hábito cultivado durante tantos anos, ou acha aquilo uma coisa sem importância. Claro que, nesse caso, o marido pode e deve mudar, mas não há maquiavelismo na ação.

Acontece que infelizmente temos a mania de brincar de onisciência. Julgamos adivinhar os pensamentos e motivações dos outros, quando na verdade apenas os atribuímos. Ah... e normalmente nos usamos como critério. Funciona mais ou menos assim: “Se eu estivesse fazendo isso, estaria pensando isso, isso e isso”. Bom, cabe não esquecer que eu sou eu e o outro é outro, logo atitudes parecidas podem ter motivos completamente diferentes.

Nesse ponto, entramos na segunda causa das decepções: por mais que pareça que sim, nunca conhecemos totalmente uma pessoa. Não conhecemos todos os seus sentimentos, toda sua história, todas as suas experiências. Por mais que convivamos e tenhamos intimidade com alguém, algo sempre permanece opaco. De alguma maneira, o ser humano funciona como uma caixa preta. Toda pessoa é mais do que mostra... seja em capacidade para virtudes, seja em limitações.

Creio não ser equivocado dizer que não é apenas o outro que não conhecemos plenamente. Nossa própria personalidade não é conhecida de maneira completa. O mistério também está em nós. Não é incomum ouvir pessoas dizendo coisas como “eu não me reconheci” ou “não sabia que era capaz”. Claro que não, muito do que somos revela-se a partir das situações em que vivemos. Costumo dizer que ninguém sabe que tem espinhos até que, meio sem querer, espete alguém. 

Isso significa que o olhar que temos do outro é diferente do que ele tem de si mesmo. Talvez algumas coisas verdadeiras sobre ele não são percebidas por ele, assim como algumas verdades sobre nós ficam ocultas a nossos olhos. Nesse sentido, a compreensão e misericórdia tem muito espaço para atuar, afinal os erros por ignorância continuam sendo erros e causando danos, mas com certeza são muito menos maldosos. 

Além disso, sempre que nos relacionamos com alguém, criamos uma imagem desse alguém. Imagem mais ou menos próxima da realidade, mas que nunca traduz totalmente a outra pessoa. Ou seja, há um “outro real” e um “outro ideal”. O “outro real” sempre vai ser mais e menos que o outro ideal, simplesmente porque ele é uma pessoa de carne e osso e não uma ideia. Por isso, ele será sempre decepcionante, ao mesmo tempo que sempre será capaz de surpreender positivamente.

Cabe apontar aqui que é uma atitude comum esperarmos do outro que aja de maneira totalmente racional e perfeita, sem levar em conta que nem sempre ele possui conhecimento de todos os fatores envolvidos, além de ter e sofrer diversos condicionamentos. Tal atitude se mostra paradoxal quando percebemos que não gostamos que nossas atitudes sejam julgadas pelo mesmo padrão, mas queremos que os atenuantes do contexto sejam levados em conta.

Uma situação que costumamos esquecer também é que o outro não é algo estável. Há mudanças. Muitos se decepcionam, por exemplo, porque o outro não age da mesma forma que fazia há anos atrás. Talvez isso ocorra simplesmente porque há anos atrás ele era um adolescente e hoje não é mais. Ou viveu muitas coisas que o fizeram enxergar a coisa de outra maneira... 

Claro que a mudança pode não ter sido para melhor e que as escolhas podem ter sido equivocadas, mas pensar que alguém vai permanecer sempre do mesmo jeito pode ser injusto. É justamente a capacidade de mudança que torna o outro alguém tão interessante, afinal faz com que sempre seja capaz de trazer algo novo e inesperado. O ser humano, graças a Deus, é capaz de reinventar-se e não está condenado a repetir-se continuamente como um mero mecanismo. Infelizmente é isso que também faz com que ele possa decepcionar.

Cabem ainda duas últimas reflexões. A primeira delas é que, embora muitas decepções possam ser frutos de incompreensão e mal-entendidos, várias outras decorrem simplesmente do mal praticado e da infidelidade. Há pensadores, como Maquiavel que, ao contemplar a atitude dos homens, julgam que estes seriam em sua totalidade “ingratos, volúveis, simuladores, covardes ante os perigos, ávidos de lucros” e concluem que o mal é a condição da natureza humana. Penso que a posição de Maquiavel é um tanto radical e tem dificuldades de explicar certas posturas desse mesmo ser humano considerado tão maldoso. No entanto, cabe reconhecer que ele tem razão ao reconhecer a vilania como algo permanente na história. Embora o ser humano não seja por si mal, ele é capaz do mal. E dos piores tipos. A natureza humana pode não ser degenerada, mas, com toda certeza, é ferida.

Para encerrar, quero dizer que, na vida humana, a decepção pode ser inevitável, mas a reação a ela é uma escolha. Diante de alguém que nos decepciona podemos ter várias atitudes: ódio, desprezo, compreensão, perdão. É nossa opção fundamental diante da vida que vai fazer com que adotemos uma, outra ou um misto delas. Dificilmente vamos deixar de nos entristecer, ou mesmo ficar irados, afinal decepções nunca serão coisas irrelevantes ou agradáveis. A questão é que se o outro é decepcionante, nós também o somos. E essa condição partilhada deve fazer com que a compaixão seja mais comum que a condenação.

Alessandro Garcia
Doutorando em sociologia - UFRJ  / Fundador da Oficina de Valores

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