Por: Alessandro
Há algum tempo, tive contato com um termo que me rendeu algumas boas reflexões. Falo da expressão em inglês “unchurched christians”, cuja tradução livre é “cristãos sem igreja”. Tal expressão diz respeito àquelas pessoas que afirmam professar a fé cristã, mas não desejam filiar-se a nenhuma instituição. Há diversos tipos de pessoas que se colocam nessa situação, desde aqueles que vivem em uma cultura cristã e introjetam vários aspectos da fé, mas não se comprometem (os famosos católicos não praticantes), até aqueles que possuem uma negação consciente, que não afirmam não desejar participar de nenhuma comunidade.
Sem querer fazer nenhum julgamento dos motivos pessoais que levaram uma pessoa a ter tal postura, desejo nesse texto apresentar os motivos pelos quais um cristianismo “unchurched” acaba sendo contrário à proposta original cristã.
Uma frase de Hilaire Belloc sintetiza muitos dos argumentos que serão apresentados. Diz o historiador inglês: Jesus Cristo não criou uma religião, fundou uma Igreja. Seguindo essa intuição, podemos dizer que o mestre de Nazaré instituiu ritos, apresentou uma doutrina, propôs um novo modo de viver, mas o movimento que antecedeu a todos esses foi reunir um grupo em torno dele, atraído por sua pessoa. Vale reparar no detalhe: estar com Cristo, para cada um dos discípulos, implicava estar com os outros.
A experiência comunitária, o pertencer a um grupo, está no cerne do cristianismo. A teologia cristã fala da Igreja como corpo de Cristo e o próprio Jesus afirmou que estaria presente onde dois ou mais se reunissem em seu nome. Há uma forte expressão de Santo Agostinho que fala dessa bela realidade: “Cristo Total”! Para o filósofo, Jesus Cristo e a Igreja estão numa relação de unidade tão grande que pertencer a Cristo e participar da comunidade que ele fundou constituem uma mesma experiência. Aqueles que dizem “Cristo Sim, Igreja Não”, fariam então, no máximo uma experiência incompleta, nunca total.
Talvez neste ponto, alguns leitores estejam franzindo a sobrancelha. Talvez tragam na mente argumentos do tipo: “como participar de uma instituição na qual existe tanta corrupção?” ou “prefiro caminhar sozinho do que viver em meio a tanta hipocrisia”. Penso que a melhor forma de trabalhar tais questões é respondendo anteriormente a uma outra: afinal de contas, por que a experiência comunitária é tão importante para a vida cristã?
Tal pergunta pode ser respondida de diversas maneiras, por isso é tão difícil começar a respondê-la. Vamos pelo caminho que julgo um pouco mais fácil: Jesus Cristo revelou que o amor faz parte da identidade de Deus. Ensinou também, com palavras e obras, que o sinal distintivo de quem quer viver segundo a vontade de Deus é o amor. Pois bem, uma das principais características do amor é que ele é relacional. A vida em comunidade garante o ambiente necessário para a vivência do amor.
Quando se fala de amor, deve-se tomar o cuidado para não criar um distanciamento da realidade. O amor é algo concreto, praticado por pessoas concretas e dirigido a outras pessoas concretas. Isso, é claro, faz com que o ambiente do amor não seja desprovido de problemas ou defeitos. Claro que é mais fácil amar pessoas perfeitas, sem problemas de personalidade ou defeitos que as tornem repulsivas. O problema é que tais pessoas não existem, ou caso existam, são extremamente raras. Aqui a lógica da caridade cristã: não espere bondade e beleza para amar, ame e gerará bondade e beleza. A comunidade, com todos o seus problemas, não é algo acidental na proposta cristã. Muito pelo contrário é algo fundacional, é a tradução concreta do projeto “ame a Deus e ao próximo”.
É lugar comum dizer que vivemos uma era de laços frágeis, que há um crescente individualismo egoísta. Tal diagnóstico pode ser encontrado tanto em conversas de esquina quanto em livros de especialistas. Nesse contexto, afirmar a centralidade de uma experiência comunitária é nadar contra a corrente. A tendência dos cristãos, no contexto atual é tornarem-se cada vez mais “unchurched”, cada vez menos praticantes. O problema é que a fé não se mantém sem a comunidade e que o distanciamento dos outros leva ao distanciamento de Cristo.
Outro aspecto fundamental na vivência comunitária é que é nela que a Igreja expressa um de seus mais belos aspectos: a unidade na diversidade. Antes de trabalhar esse ponto, penso ser necessário ressaltar que provavelmente não existe nesse mundo instituição que tenha maior diversidade que a Igreja Católica. Para ressaltar isso, basta citar que Brasil, Filipinas, Irlanda e Espanha são países com culturas marcadas pelo catolicismo e totalmente diferentes entre si.
A variedade de experiências na comunidade cristã é o que permite sua grande riqueza. Alguns podem julgar que tal variedade é apenas fruto do tamanho da instituição, afinal qualquer “grupo” que tenha mais de um bilhão de membros carregará no seu bojo grande diversidade. Mais uma vez penso que tal elemento não é apenas parte da situação atual, mas que esteve presente desde o primeiro grupo de apóstolos. Se formos pensar naqueles que Jesus Cristo reuniu um em torno de si veremos que as diferenças saltam aos olhos: havia um zelota (espécie de judeu revolucionário que se opunha ao Império Romano) e um cobrador de impostos (quase que um funcionário de Roma); Havia um jovem que mais tarde teria contato com elementos da filosofia grega e um homem mais velho que não era lá muito dado a abstrações. Isso só para mencionar alguns...
Essas diferenças na comunidade original, hoje manifestam-se nas diferentes experiências comunitárias que compõem esta mesma Igreja. Existem paróquias, movimentos, comunidades. Não é equivocado dizer que a Igreja Católica é uma grande comunidade que contém várias comunidades. Comunidades que concordam no essencial, mas que traduzem de formas diferentes e criativas a experiência que fazem de Deus.
Antes de encerrar, cabe voltar a frase de Belloc que diz que “Jesus Cristo não criou uma religião, fundou uma Igreja”. Uma religião é algo em que se acredita, a Igreja é algo a que se pertence. A Igreja possui tudo aquilo que uma religião possui, no entanto nela há algo mais: laços.
É possível ter uma religião sem conviver com os outros, é impossível participar da Igreja sem relacionar-se. Dito isso, cabe concluir que não é possível um cristão ser “unchurched” e ser fiel àquilo que diz acreditar. Um cristão sem a Igreja é um galho sem tronco, um membro sem corpo.
É interessante pensar que os Bispos do Brasil disseram que a Igreja como “comunidade de comunidades” é uma urgência da ação evangelizadora. Quando parei para pensar nisso, logo me veio a conhecida frase: “Torna-te aquilo que és”. Ser uma comunidade é parte essencial da Igreja, mas essa parte pode ser negligenciada por aqueles que fazem parte dela. O apelo de urgência diz respeito a uma retomada da própria identidade, a um voltar-se para o essencial. E esse é essencial é: estarmos juntos com Cristo e uns com os outros.
Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia - UFRJ / Fundador da Oficina de Valores
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