Por: Alessandro
Eu não prestava muita atenção em
João Paulo II. Por personalidade, tenho
certa dificuldade em criar muita empolgação com figuras públicas. Tendo a
desconfiar do “hype”. Não que eu pensasse mal do Papa, apenas não vibrava com sua
pessoa. Como católico, é claro que dava atenção ao que ele dizia, mas é muito
diferente ter reverência por uma função e admirar alguém.
Lembro-me mesmo como foi minha
primeira experiência “mais concreta” com ele. Outubro de 1997. Dois meses antes
de eu deixar de fazer parte da grande massa de “não praticantes”. Minha grande reação foi reclamar daquele
velho que não saía dos meios de comunicação e fazia com que os programas que eu
mais gostava fossem interrompidos. Meio
infantil? Com certeza...
Após passar a acreditar Naquele e
naquilo que João Paulo II acreditava, minha reação passou de uma rejeição a uma
simpatia meio difusa. Pô, era o Papa! Nesse contexto, li algumas de suas
encíclicas, entre elas a genial Fides et Ratio (que, confesso, não entendi bulhufas
na época). Li os documentos, aprendi com as ideias, dei palestras sobre os
ensinamentos. Mas ainda guardava certa distância interior.
No contexto católico em que vivi,
a figura do Papa polonês era uma unanimidade. Todos o admiravam, falava muito
sobre como ele era um exemplo. Recordo de um rapaz que dizia ao voltar de uma
Jornada Mundial da Juventude: “Eu ainda não tenho santo de devoção, mas depois
que João Paulo II morrer e for canonizado, será ele”. Em certo sentido, eu não
aproveitava o ambiente e não entendia aquela admiração toda. Pensava: “a grande
maioria sabe quase nada sobre ele. Como podem admirar alguém de quem sabem tão
pouco?”.
Acontece que, como dizia o
filósofo, existem razões que a própria razão desconhece. Há certas intuições
que são do conjunto do povo. A Igreja Católica sabiamente nomeou isso de
“sensus fidei”...
Escrevo tudo isso para dizer que,
embora eu não prestasse tanta atenção, João Paulo II era uma figura realmente
admirável. Só fui me dar conta disso bem após sua morte, quando tive contato
com a biografia “Testemunha da Esperança”, do escritor norte-americano George
Weigel. As reações à sua morte* mostraram claramente que sua figura tocava mesmo
aqueles que partilhavam de crenças tão diferentes das suas.
Por que João Paulo II era
realmente admirável?
Em primeiro lugar por sua história
de vida. Foi jovem em uma Polônia ocupada pelos nazistas e participou da
resistência. Não da resistência armada, mas da resistência cultural do teatro
rapsódico. Na época, o jovem Karol Wojtyla acreditava que era necessário manter
a cultura polonesa viva para que houvesse algo a ser reconstruído após a
barbárie da guerra. Com base nessa crença, correu risco de vida ao atuar em
peças clandestinas que buscavam preservar e atualizar o patrimônio cultural de
seu país.
Após o totalitarismo nazista, a
Polônia foi ocupada pelo totalitarismo soviético. Foi nesse contexto que o
padre Karol passou seus primeiros anos como sacerdote e no qual exerceu sua
função de bispo. Embora tenha sido constantemente vigiado pelo Estado, numa
clara violação àquilo que hoje fazemos questão de chamar de liberdades civis,
sempre foi aberto ao diálogo. Crítico ao sistema que via ameaçar a fé que
acreditava, mas nunca fechado à conversa.
Essa sua capacidade de diálogo
realmente era digna de admiração. Desde a juventude, por exemplo, foi próximo
às comunidades judaicas. Já como Papa continuou esse diálogo e foi o primeiro
pontífice a entrar em uma sinagoga após o apóstolo Pedro. Também foi o primeiro
Papa a visitar uma mesquita islâmica. Buscou aproximar-se de todos. Como
esquecer o encontro inter-religioso de Assis convocado por ele?
Além dessa capacidade de
aproximação, João Paulo II era dotado de grande inteligência e deixou uma obra
literária, filosófica e teológica considerável. Marca-me muito um livro seu, considerado menos
importante, mas que mostra bem seu pensamento. Trata-se de “Cruzando o Limiar
da Esperança”. A história desse livro
fala por si só: João Paulo II seria o primeiro papa a conceder uma entrevista
ao vivo na TV. Tal entrevista foi cancelada em virtude de um problema de agenda...
O jornalista responsável surpreendeu-se meses depois ao receber por escrito as
repostas a todas as questões que havia formulado. Algumas bem espinhosas, como,
por exemplo, “Se Deus existe, por que se esconde?”.
João Paulo II permaneceu à frente
da Igreja Católica por muito tempo, teve o terceiro maior pontificado da
história. Assumiu o papado em um contexto difícil. Após o Concílio Vaticano II,
o catolicismo, de certa maneira, mergulhou em uma grande “crise de
identidade”. O número de seminaristas caiu,
diversas correntes teológicas que atingiam pontos centrais da fé ganharam
força, certos setores negaram a reforma conciliar, houve grande êxodo de fiéis,
a Europa se via cada vez mais secularizada. Isso para não falar, que o papa
anterior, João Paulo I, teve um pontificado de apenas 33 dias!
Ao se tornar Papa nesse contexto,
afirma que o Concílio Vaticano II, ao contrário do que muitos críticos diziam,
foi um grande bem para a Igreja. Restava continuar o trabalho de aplicá-lo
corretamente. Dedicou-se a isso. Fez reformas, deu ênfase aos leigos, dialogou
criticamente com as teologias contemporâneas, tratou de temas polêmicos com
grande serenidade.
João Paulo II foi um grande
homem, um grande papa, e agora é reconhecido como santo. Sua história não caberia nesse pequeno artigo,
que foi escrito apenas para dizer que vale a pena cultivar a memória dessa
pessoa que não cansou de criticar a cultura de morte, de afirmar que a paz é
possível e de sonhar e se esforçar por
promover aquilo que chamou de Civilização do amor.
Em uma famosa canção, o grupo
Engenheiros do Hawai disse que “o Papa é Pop” e que o “Pop não poupa ninguém”.
Creio que não prestei atenção em João Paulo II por, de certa maneira, concordar
com essa canção e tentar evitar simplesmente seguir a superficial “cultura de
massa”. Admito feliz que estava equivocado. Embora a massificação midiática
realmente seja sempre um risco, João Paulo II era popular em um sentido
diferente. Atingia o coração do povo. Seus gestos falavam aos corações porque
traduziam a profundidade de sua fé.
Como já disse, ouvi um conhecido
dizer faz uns 13 anos que teria um santo de devoção quando João Paulo II fosse
canonizado. Parece que agora ele (e muitos outros!) tem a sua chance.
Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia - UFRJ / Fundador da Oficina de Valores
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