Em certo sentido toda literatura é
de autoajuda, é o que afirma Luiz Schwarz em seu artigo para o blog da editora
Companhia das Letras (confira). Vale a pena ler o artigo
apesar do que eu chamaria de deslize no fim do texto: uma postura comum de uma
senhora que alguns chamam carinhosamente, outros desdenhosamente, de
“pós-modernidade”. Uma certa relativização de tudo, da literatura inclusive.
Pois bem, esse não é o assunto,
voltemos a ele. Autoajuda de longo prazo, assim Schwarz chama os clássicos como
Proust e Dostoiévski ou Machado e Guimarães voltando-se para as fileiras
nacionais.
“Proust é literatura de autoajuda. Guimarães Rosa também.
Só que em certo sentido esses últimos são mais modestos, mais recatados quanto
à vida privada dos leitores. É como se os chamados livros de autoajuda nos
tratassem por você, meu chapa, nos dessem dicas pessoais sobre como fazer para
conquistar melhores empregos, mulheres mais guapas, amigos mais duradouros. Já
Machado de Assis e Dostoiévski, ao ousar na linguagem, nos “autoajudam” a
longuíssimo prazo”.
Questões profundas merecem
reflexões à altura, ou melhor, à profundidade. Não é possível responder de modo
manualesco às questões propostas por Dostoiévski, por exemplo. Não é possível
achar respostas e também não é possível formular as questões de maneira tão
apressada. Um exercício interessante: com que frequência você visita livrarias?
Com que frequência você vê livros com títulos em forma de pergunta nos últimos
tempos? Faça a experiência de olhar na prateleira da qual estamos falando.
Perguntas (e algumas respostas) estão escancaradas já nos títulos.
Não tenho nada contra quem quer
saber como ganhar mais dinheiro. Não tenho nada contra que quer ter mais
confiança com as mulheres. Não tenho nada contra quem quer aprender a estudar
melhor. Aliás, isso me lembra a história do irmão de um amigo que na época do
vestibular vivia lendo coisas do tipo “Tenha memória apurada” ou “Estude de
forma mais eficiente”, mas nunca se sentava em frente aos livros com o conteúdo
substantivo.
Retornando, não tenho nada contra
quem quer saber que comeu o queijo de quem. Não há problema em querer saber
nada disso. Aliás, muitas dessas questões tocam, com frequência, a muitos de
nós, afinal deve ser por isso que esse ramo vem sendo sucesso de vendas. Mas há
uma existência que nos espera lá fora. Há questões que não são respondidas
apressadamente.
Também não estou dizendo que a
literatura é a única forma de olhar pra elas. Conheço pessoas que nunca leram
Leon Tolstói (meu autor no momento), G. K. Chesterton ou (saiamos um pouco da
prosa) Pe. Antônio Vieira. E que mesmo assim são seres que carregam dentro de
si a força e a fragilidade, a sutiliza e a profundidade, a capacidade de olhar
pra alma humana e de responder às necessidades dela. Confesso que lembro da
minha mãe quando escrevo essas qualidades.
Essas capacidades por vezes são
muito maiores nesses do que naqueles que devoram bibliotecas. Concordo com a
afirmativa segundo a qual “a literatura não salva ninguém” de
Homero Gomes que continua, “ela não fará nada por você”.
No máximo é possível pôr-se à
caminho junto com esses gênios, escrutinadores da nossa alma, e que viveram
antes de nós. Pôr-se à caminho do que te espera lá fora, ou melhor, aí dentro
(as metáforas e seus limites, sempre!). Mas não há como negar, que bela maneira
de fazê-lo! Dentro de si ou no outro lá fora, não importa. Que bela maneira de
olhar pra mim e pro mundo!
As questões que são chamadas
“existenciais” não são denominadas de tal maneira só porque afetam toda a
existência (e não somente um conjunto de experiências), é também por isso. Mas
elas são existenciais porque sua formulação, resposta e, possivelmente,
constante reconfiguração das respostas e das maneiras como elas se apresentam
são de “longuíssimo prazo”. São questões que nos acompanham durante todo o
período que nos acostumamos chamar de existência.
O ateísmo e a superação dele em
Dostoiévski, o ceticismo e o cinismo em Oscar Wilde (já escrevi um texto sobre isso aqui no
blog) ou a hipocrisia (às vezes caricata) em Machado. São questões que
devem ser levadas a sério por nós. Não só por que é Assis, Wilde ou qualquer
outro autor que tratou, mas também por que somos nós ali, retratados com as
grandes questões que nos dizem respeito diretamente.
Breno Rabello
Mestrando em Sociologia UFRJ / Oficina de Valores
0 comments:
Postar um comentário