Por: Bento XVI
Regularmente a cada quatro anos, a Copa do Mundo de futebol demonstra ser um evento que atrai centenas de milhões de pessoas. Nenhum outro evento no mundo consegue ter um efeito tão grande, o que demonstra que este evento esportivo toca algum elemento primordial da humanidade, e há que se perguntar sobre o que se fundamenta todo esse poder de um jogo. O pessimista vai dizer que é como na Roma antiga.
A palavra de ordem da massa era: panem et circenses, pão e circo. O pão e o jogo seriam, então, o conteúdo vital de uma sociedade decadente que não tem outros objetivos mais elevados. Mas, mesmo se fosse para aceitar essa explicação, ela não seria absolutamente suficiente. Deveríamos nos perguntar mais uma vez: no que reside o fascínio de um jogo que assume a mesma importância do pão? Poderíamos responder, mais uma vez fazendo referência a Roma antiga, que a demanda por pão e jogo era na verdade uma expressão do desejo por uma vida paradisíaca, uma vida de saciedade sem preocupações e liberdade desmedida. Porque é isto que se entende em última análise com o jogo: uma atividade totalmente livre, sem propósito e sem limitações, ao mesmo tempo que envolve e ocupa todas as forças do homem. Neste sentido, o jogo seria uma espécie de tentativa de retorno ao paraíso perdido: a fuga da seriedade escravizante da vida cotidiana e da necessidade de se ganhar o pão, para viver a livre seriedade de tudo que não é obrigatório e, portanto, belo.
A palavra de ordem da massa era: panem et circenses, pão e circo. O pão e o jogo seriam, então, o conteúdo vital de uma sociedade decadente que não tem outros objetivos mais elevados. Mas, mesmo se fosse para aceitar essa explicação, ela não seria absolutamente suficiente. Deveríamos nos perguntar mais uma vez: no que reside o fascínio de um jogo que assume a mesma importância do pão? Poderíamos responder, mais uma vez fazendo referência a Roma antiga, que a demanda por pão e jogo era na verdade uma expressão do desejo por uma vida paradisíaca, uma vida de saciedade sem preocupações e liberdade desmedida. Porque é isto que se entende em última análise com o jogo: uma atividade totalmente livre, sem propósito e sem limitações, ao mesmo tempo que envolve e ocupa todas as forças do homem. Neste sentido, o jogo seria uma espécie de tentativa de retorno ao paraíso perdido: a fuga da seriedade escravizante da vida cotidiana e da necessidade de se ganhar o pão, para viver a livre seriedade de tudo que não é obrigatório e, portanto, belo.
Assim, o jogo vai muito além da vida cotidiana. Mas, sobretudo nas crianças, tem também o caráter de um exercício para a vida. Ele simboliza a própria vida, e a antecipa, por assim dizer, de um modo livremente estruturado. Parece-me que o fascínio pelo futebol está essencialmente no fato de que ele conecta esses dois aspectos de uma forma muito convincente.
Ele força o homem a impor-se uma disciplina de modo a obter mediante treinamento um controle sobre si próprio; com o auto-controle, a superioridade e com a superioridade, a liberdade. Além do mais lhe ensina uma harmonia disciplinada: como um jogo de equipe obriga a inserção do indivíduo na equipe. Une os jogadores em torno de um objetivo comum; o sucesso e o fracasso de cada um está diretamente ligado ao sucesso e o fracasso do todo.
Além disso, ele ensina uma leal rivalidade, onde a regra comum que se impõe é o elemento que liga e une na oposição. Por fim, a liberdade do jogo, se este se desenvolve corretamente, anula a seriedade da rivalidade. Ao assisti-lo os homens se identificam com o jogo e com os jogadores e participam de modo pessoal na harmonia e na rivalidade, na seriedade e na liberdade: os jogadores se tornam um símbolo da própria vida; que por sua vez tem um impacto sobre os demais. Eles sabem que os demais homens se representam neles e se sentem confirmados. Claro que tudo isso pode ser contaminado por um espírito comercial, submetido à seriedade sombria do dinheiro, que converte o jogo em uma indústria e cria um mundo fictício de proporções assustadoras.
Mas, nem mesmo este mundo fictício poderia existir sem o aspecto positivo que é a base do jogo: o exercício para a vida e a superação da vida em direção ao paraíso perdido. Em ambos os casos, se trata de buscar uma disciplina da liberdade; de exercitar em si próprio a harmonia, a rivalidade e o acordo na obediência à regra.
Talvez ao refletirmos sobre essas coisas, poderemos novamente aprender com o jogo uma lição de vida, porque nele está evidente algo fundamental: o homem não vive só de pão, o mundo do pão é apenas o prelúdio da verdadeira humanidade no mundo da liberdade. A liberdade por sua vez se nutre da regra, da disciplina, que ensina a harmonia e a rivalidade leal, a independência do sucesso exterior e da arbitrariedade, e torna-se assim realmente livre. O jogo, uma vida. Se formos mais fundo, o fenômeno de um mundo apaixonado por futebol pode nos dar muito mais do que só um pouco de diversão.
Joseph Ratzinger
Papa Emérito Bento XVI
Obs: Tal artigo foi publicado no livro “Buscai as coisas do Alto” e foi publicado em 1986 pouco antes da Copa do Mundo. A presente tradução é creditada a Gercione Lima e foi publicada em http://fratresinunum.com/2014/06/12/o-futebol-segundo-ratzinger/
1 comments:
Sensacional o texto do Ratzinger...
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