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#AvanteOficina

Por: Breno





Ruanda é assim tão longe do Mediterrâneo?


O gerente do Hotel des Mille Collines, Paul Rusesabagina, se relaciona com pessoas importantes que se hospedam em seu hotel e faz questão de colecionar favores a essas pessoas que podem, segundo seu cálculo, retribuí-los em algum momento oportuno. Esse é o início de um roteiro de sucesso: Hotel Ruanda, filme de 2004.


O filme transcorre e junto com ele se desenvolve a percepção de que Paul é mais que um mero capacho que costuma servir de bom grado os poderosos clientes, ele também não é exatamente um sujeito ganancioso. O personagem está mais para um pai preocupado com a segurança da família tentando encontrar constantemente os meios adequados para cumprir sua dupla função: gerente e protetor dos filhos e da mulher.

Sírios, turcos, iraquianos, cristãos. Existem muitos que vivem em uma constante busca dos meios adequados para fugirem das circunstâncias violentas que se avolumam aos poucos e desembocam em situações extremas como a guerra que a Síria enfrenta hoje, como o genocídio em Ruanda no ano de 1994. Conheci uma família de refugiados sírios cujos filhos aprenderam mais duas línguas desde o início das tensões, premeditando a fuga. 

Esse texto é propositadamente atrasado. Nesse caso, há atualidade no atraso. Há certa estrutura na forma como as crises humanitárias internacionais acontecem. Uma cena de Hotel Ruanda mostra como essa estrutura funciona sob determinados aspectos. Joaquin Phoenix, o estereótipo do repórter de crises internacionais, conversa com Paul. O gerente tenta convencer o jornalista a mostrar de forma mais clara os extremos do genocídio, as imagens cruas daquela tragédia fariam com que a opinião pública internacional estancasse o sangramento dos milhares de mortos. Diante da exposição de suas preocupações ouve o jornalista dizer:

Menino sírio morto afogado, em praia na Turquia
- “Se as pessoas virem isto, dirão ‘Oh, meu Deus, é horrível’ e continuarão a comer seu jantar.”

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Estamos no momento onde as pessoas já voltaram a comer o seu jantar. O mundo já cumpriu a sua função de dizer “Oh, meu Deus, é horrível... o menino na praia.”
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Ficção e realidade

Com o perdão da mistura, ficção e realidade caminham, cada uma em suas possibilidades, para demonstrar que o mundo é muito mais complexo do que querem alguns.

Pareceram-me muito simplistas, para não dizer demagógicas, as soluções bradadas por alguns: “que a Europa aceite os imigrantes!”; “que a Alemanha resolva o problema da circulação dos imigrantes!”. A coisa não me parece tão simples.

Uma das questões centrais para entender politicamente o Oriente Médio está no fato de que o caminho para a estabilidade política naquele território é sinuoso e cheio de obstáculos.

Vários recordes relacionados à imigração começam a ser batidos com as questões da Síria, da Turquia e do Iraque relacionadas ao avanço do Estado Islâmico. Esse é um daqueles poucos momentos históricos do Oriente Médio sobre o qual é possível traçar uma genealogia recente e perceber claramente quando os ares e o clima da região começaram a mudar: no Oriente Médio, depois da Primavera vem o inverno.

Em 2012, quando explodiu a Primavera Árabe em países como o Egito, jornalistas do mundo todo (incluindo Brasil) se rejubilavam de estar reportando uma mobilização massiva que tinha, para ser sistemático, três características que geravam esse afã.

Em primeiro lugar, (i) eram, na maioria, jovens árabes que ocupavam as praças. Esses jovens, (ii) aparentemente, estavam se mobilizando de maneira espontânea e autônoma, sem grandes organizações e, consequentemente, sem grandes interesses por trás. Por fim, (iii) essa mobilização era feita pelas redes sociais. Pronto. Todos os ingredientes para uma daquelas revoltas sonhadas por jornalistas românticos que viveram ou gostariam de ter vivido na década de 60. Tirando a ironia, parecia lindo, de fato.

Não mencionei mais duas características dessas revoltas acima para não quebrar minha tríade de motivos. Enfim, eles também lutavam contra ditaduras e, aparentemente, pediam democracias. A cereja do bolo.

Extremismo islâmico

Uma das coisas que não se comenta muito é o fato de que a maioria dos refugiados que partem de países como a Síria são cristãos. A perseguição, pelo menos, é feita aos cristãos. Mas, obviamente, estamos falando de uma guerra extremamente violenta e que acaba atingindo também os pertencentes a outras religiões, como os próprios mulçumanos que não querem ver cabeças de cristãos espalhadas pelas ruas. 

O Estado Islâmico é, sem dúvida, o grupo mais violento, mais brutal, mais sanguinário e todos os adjetivos capazes de caracterizar a barbárie por eles realizada. Mas não nos enganemos. Há uma série de outras formas de perseguição religiosa na região que tornam a situação mais aterradora do que o próprio Estado Islâmico e seu poderia bélico impressionante poderiam permitir sozinhos. Por exemplo, com a queda de Mubarak no Egito, em 2011, por conta dos protestos caracterizados como uma “primavera”, elevou-se ao poder a Irmandade Muçulmana. 

Em entrevista, o porta-voz da Irmandade, que logo após a queda de Mubarack já criara um partido, declarou o seguinte sobre os ataques de muçulmanos a uma igreja cristã:

Quem está ateando fogo às igrejas? 

“O pessoal do Partido Nacional Democrático (de Mubarak), os agentes da segurança de Estado e os criminosos. Estou triste porque bispos e o papa Shenouda III (da Igreja Ortodoxa Copta) apareceram em público para reclamar dos ataques apresentando-se como cristãos. Isso não é bom.”

Eles não podem declarar abertamente sua fé?

“Os cristãos devem se defender como civis, não em nome de um setor da sociedade. Somos todos egípcios.”

Lembrando que o próprio grupo representado por ele se chama: Irmandade Muçulmana. E foi esse grupo a origem de jihadistas como a famosa Al-Qaeda.

O oriente e o resto do mundo

Fixar o foco das migrações na reação que os países europeus têm diante do grande fluxo migratório é covardia com os europeus. Mas também com egípcios, iraquianos, cristãos católicos, protestantes, coptas que vivem por lá. E com sírios, turcos, sudaneses, nigerianos (atacados pelo Boko Haram) ou paquistaneses, que, certamente, gostariam de viver dignamente e sem perseguições em suas terras de origem.

Não se trata de negar as responsabilidades dos países europeus, ou melhor, negar as possibilidades de ajuda humanitária aos imigrantes. A quantidade massiva de refugiados exige um olhar para além do resultado final do processo de migração. 

Estabilizar os conflitos onde eles ocorrem é uma proposta de médio/longo prazo. As migrações são uma solução de curtíssimo prazo. As duas precisam caminhar juntas, mas sempre lembrando os limites dessas soluções em curto prazo.

O ponto central dessa dicotomia de soluções é o seguinte: acreditar nas migrações como solução para os problemas em jogo é acreditar que o mundo só é possível com grandes sistemas de apartheid. Fiar-se nas migrações, focar somente na responsabilidade dos países europeus, esquecer o outro lado da moeda é pensar um mundo onde pessoas que acreditam em coisas diferentes precisam estar separadas por um mediterrâneo de distância. 

A cena do pequeno Aylan deitado nas areias da Turquia, com as roupas molhadas pelas águas do mar é chocante, revoltante, desanimadora. É uma derrota para nossa humanidade. Esquecer-se é necessário em alguma medida, mas não a ponto de permitir que outros sofram com a tentativa de fugir às pressas da violência em seus países de origem.


Breno Rabello
Mestrando em Sociologia (UFRJ)
Oficina de Valores

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