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#AvanteOficina

18:07
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Por: Alessandro




Inicio fazendo uma rápida confissão: eu rezo antes das refeições. Antes que o leitor desista de continuar a leitura, devo dizer que tal fato já causou alguns pequenos constrangimentos. Não que eu faça grandes rituais antes do almoço ou recite uma grande ladainha nos momentos que antecedem o jantar. Não, nada disso. Gasto apenas alguns segundos. E, mesmo assim, já passei por uma ou outra situação cômica por causa desse hábito.

Lembro-me de uma vez em que alguns alunos do terceiro ano do Ensino Médio fizeram o convite para que eu almoçasse com eles. Fui levado a uma hamburgueria muito boa que tinha o curioso nome de Hell’s Burger. Quando recebi meu hambúrguer, muito grande e bem gostoso, antes de levá-lo à boca fiz o sinal da cruz e minha breve e silenciosa oração. Os alunos começaram a rir e um deles disse em tom de brincadeira: “Também não precisa rezar de medo”. Verdade, o inferno estava apenas no nome da lanchonete e não nos seus produtos.

Deixando de lado essas pequenas gafes, vou direto ao ponto que desejo abordar: o conteúdo de minhas orações pré-refeições. Não é nada tão elaborado, apenas algumas palavras simples que aprendi quando ainda era adolescente:

Senhor, dai pão a quem tem fome...
E fome de justiça a quem tem pão.

Quando comecei a dizer estas palavras antes das refeições, admito, não percebia a profundidade que elas continham. Até hoje, na maioria das vezes, as repito de maneira mecânica e rápida, afinal o estômago tem a estranha capacidade de impedir meditações mais pausadas. Apesar disso, vez por outra, sou surpreendido pensando nos que não têm pão e nos que não têm fome.

Lembrar, antes de comer, que há pessoas que não comem serve para que eu recorde como sou privilegiado. Serve também para recordar  que a comida não deveria ser um privilégio. E para pensar como no mundo há pessoas que não tem acesso ao básico e vivem em condições que não estão de acordo com a dignidade humana.

A riqueza da oração em questão está não apenas em pedir comida para os que não a têm, mas de pedir uma mudança de atitude naqueles que estão com a barriga cheia. E como a rezo antes de comer, isso significa que a comida não me falta. Logo, incluo-me no segundo grupo, ou seja, naqueles que precisam sentir fome de justiça.

Só quando vivermos uma real fome de justiça poderemos realmente começar um caminho de superação da fome de pão e outras fomes tão graves como essa. Acontece que a fome de justiça, por mais que pareça algo que todos temos, não é tão vivenciada assim. Explico-me. Não é difícil encontrar pessoas indignadas com a situação do mundo, com a corrupção, com a forma como as pessoas são tratadas. Também não é difícil encontrar aqueles que reclamam do fato de que seus direitos não são respeitados. Penso que não é esta a fome de justiça a qual a oração faz referência. Ter fome de justiça não significa apenas querer que o mundo seja mais justo,  significa principalmente desejar com todas as forças ser mais justo. E estar disposto a pagar o preço pela justiça.

Como bem ensinou o bom e velho Aristóteles, justiça significa dar a cada um aquilo que lhe é devido.  Isso em princípio é simples, mas na prática do dia a dia é mais difícil do que parece quando lemos a definição. Há várias injustiças com as quais não desejamos de coração romper.  Por exemplo: há a injustiça daqueles que contratam uma empregada doméstica pagando menos do que é devido e tranquilizam sua consciência dizendo que não podem pagar mais. No entanto, não lhes falta dinheiro para o lazer e consumo supérfluo.

Há também a injustiça do enrolar no trabalho, das pequenas corrupções diárias. A injustiça de não dar ao outro o reconhecimento que lhe é devido apenas porque ele compete comigo.  Isso sem falar nas injustiças de jogar todo o trabalho doméstico nas costas de uma só pessoa da família, de julgar de maneira mais cruel as falhas dos outros do que as suas próprias.

A lista de injustiças poderia ser alongada quase até o infinito, mas isso não se faz necessário. A questão é que tendemos a não ser bons juízes em causa própria e a exigir mais daqueles que nos cercam do que de nós mesmos. Tendemos a não perceber como injustiça aquilo que nos favorece. Costumamos não combater a injustiça que praticamos, mas apenas a que sofremos. E se, por ventura, formos acusados de injustos ou expostos a nossas contradições, a indignação contra quem nos aponta o erro é a resposta mais comum.

É significativo que a pequena oração não peça leis justas. Não que elas não sejam importantes; são fundamentais. Elas não seriam necessárias em um mundo de anjos, também não teriam a capacidade de resolver os problemas de um mundo que fosse habitados por demônios. Como não somos nem anjos nem demônios, temos necessidade das leis, mas elas não nos bastam. É preciso que a justiça seja vivida como uma virtude.

Viver a justiça como virtude implica em desenvolver certos hábitos, hábitos que envolvem o saber perder quando a vitória só é possível como injustiça. Hábitos que decorrem da firme decisão de dar ao outro o que lhe é devido ainda que isso custe. Hábitos de justiça construídos por uma ação justa após a outra. Por ações e não apenas por discurso.

E a mudança de hábitos depende da mudança de mentalidade. E essa mudança, embora precise ser de muitos, ocorre em cada um. Cada um deve experimentar a consciência da própria injustiça. Saber que ela traz consequências. Embora eu não consiga correlacionar a falta de pão dos que tem fome com as minhas injustiças cotidianas, não posso negar que as mudanças estruturais  estão também relacionadas às luzes e as trevas dos corações humanos.


Não consigo deixar de crer que mudar nossos corações seja possível. Que mudar meu coração seja possível.  Que mudar o mundo seja possível, embora muito difícil. É uma tarefa que está além das minhas e das tuas forças. Provavelmente  mesmo nossas forças somadas não possam fazer muito. Mas permaneço crendo, tentando e tendo esperança. E é justamente porque creio na possibilidade mesmo contra toda probabilidade que continuo, refeição após refeição, rezando:

Senhor, dai pão a quem tem fome...


Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia
Fundador da Oficina de Valores

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