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#AvanteOficina

Por: Gustavo
Imagem de esportes.terra.com.br


Esse texto é sobre futebol. Se você não gosta de futebol, tudo bem, eu também não. Mentira, gosto sim. Mas seria capaz de mentir só para gerar empatia e fazer você continuar lendo, porque esse texto é sobre algo mais que futebol também.

Gosto de futebol e de literatura. Parecem gostos muito diversos, mas só se você não conhece Nelson Rodrigues. O futebol é uma fonte inesgotável de expressões geniais e histórias fantásticas, e a literatura dá uma dramaticidade ao esporte que faz valer e se vale do bordão “não é só um jogo”.

Na semana passada, o Leicester City foi campeão inglês. Ontem, 8 de maio, eles receberam a taça. O que? Nunca ouviu falar do Leicester? Nem eu, até uns seis meses atrás. Mas e daí, o que o título deles tem demais? Por que um texto sobre isso no blog? Esse não é um texto (só) sobre futebol, e pra você entender porque esse clube e esse título mereceram um texto aqui, vou contextualizar.

O Leicester é um clube antigo e pequeno da Inglaterra, há muitos anos alterna participações na primeira e na segunda divisão inglesas. Ano passado, os Foxes – apelido do clube – quase foram rebaixados, escaparam nas últimas rodadas. São um time pobre, e a liga inglesa é a mais rica do mundo, com o maior número de times ricos no mundo – e, no futebol de hoje, dinheiro ganha jogo; ganha jogo, títulos, torcida, moral. O Leicester rompeu com isso. Começaram o campeonato com uma chance de 1 em 5000 nas casas de apostas da Europa. Foram campeões. A raposa virou zebra na terra da Rainha.

O título deles tem sido chamado de “maior zebra da história do futebol”, “conto de fadas” com “roteiro digno de Hollywood”. E, além disso tudo, os personagens dessa história dão mais uma dimensão literária/fantástica ao título.

Os maiores destaques do time no ano:

Mahrez, O Craque. Meia-atacante, argelino, com tudo que isso significa em tempo de crise migratória e explosão da xenofobia na Europa. Melhor do campeonato, eleito pelos jogadores.

Kanté, O Prodígio. Jovem, negro, há pouco tempo jogava a terceira divisão francesa. Hoje, é volante titular da seleção da França.

Vardy, O Artilheiro. Há cinco anos, se dividia entre o futebol e o trabalho numa fábrica. Jogou por anos na sétima e na oitava divisão inglesas. Mostrava talento, mas era dispensado por motivos banais. Por seis meses, uma tornozeleira eletrônica o fez sair mais cedo dos treinos e jogos: foi condenado a prisão domiciliar por uma briga de bar em que se envolveu pra defender um amigo deficiente auditivo. No Leicester, chegou a tomar bronca por ir treinar bêbado. Na temporada 2015/2016, foi artilheiro do time, melhor jogador do campeonato pela imprensa e tem sido convocado para a seleção inglesa. Sua história, de fato, vai virar filme.

Por fim, Ranieri, O Treinador. Velho e desacreditado, já havia treinado vários clubes grandes da Europa, mas nunca tinha ganhado nenhum título expressivo – tem um histórico de vices. Antes do Leicester, estava desempregado havia meses – foi demitido da seleção grega depois de sofrer uma goleada para Ilhas Faroe. Contratado pelos Foxes, a primeira coisa que ouviu do presidente foi “tente não ser rebaixado”. Simpático, conquistou com entrevistas bem humoradas e, entre suas tiradas, uma história sensacional: prometeu pagar pizzas para o time se passassem um jogo sem tomar gols. Na hora de pagar a aposta, colocou o time dentro de uma cozinha, diante dos ingredientes, e disse “se quiserem algo, tem que trabalhar para ter”.

Há muito sobre o título do Leicester na televisão, nos jornais, na internet. Coisas como “isso prova que o futebol não é dinheiro”, “ainda há emoção no jogo”. O que eu não li em lugar nenhum é como esses personagens são simbólicos diante das realidades de exclusão e elitismo que vivemos fora de campo.

Repare, os heróis da história são: um estrangeiro africano; um jovem negro; um operário com ficha criminal e histórico de alcoolismo; e um velho “ultrapassado” e perdedor. Nada mais literário, nada mais real.

Existe um livro chamado “O futebol explica o Brasil”. Eu nunca li, mas faço uso da ideia que o título antecipa: o futebol reflete e evidencia realidades políticas, sociais, humanas, de maneira que é possível ver com clareza dentro de uma “tela” verde com contornos de cal branca o que às vezes está do nosso lado e não vemos. Em termos que ninguém ousa usar porque é como olhar a ferida aberta sob um curativo mal feito, a vitória do Leicester é surpreendente porque é surpreendente o pobre ganhar do rico, o velho superar os jovens, o alcoólatra ou o criminoso se recuperarem, o operário representar seu país internacionalmente, o estrangeiro “subdesenvolvido” e o jovem negro terem sucesso em uma nação de primeiro mundo. Eu pergunto: por que tudo isso é surpreendente? Porque é raro. E por que é raro? Porque nem nós que queremos ver acontecer acreditamos que seja possível. Eu disse que o Leicester começou o campeonato com chances de 1 em 5000. Eles já eram líderes no meio do campeonato, e as apostas ainda eram de 1 em 4000.

Eu li muito sobre o título do Leicester. Porque não conhecia o time, porque gosto de zebras e histórias de superação, porque sou fã de futebol. Tentei escrever algo que não repetisse as muitas colunas e blogs que estão por aí. A última coisa que li me fez parar no título: “Zebras não tem históricos de boa sequência”, ou seja, quando coisas assim acontecem, não quebram o paradigma, são pontuais. O que eu não li sobre a vitória do Leicester foi: “Título dos Foxes quebra elitismo e inicia novo tempo no futebol”. Gostaria de apostar que isso vai acontecer, apesar de o futebol refletir a realidade, e ela não ser animadora nesse sentido. Mas eu sou esperançoso. Tão esperançoso que apostaria mesmo com chances de 5000 contra 1.


Gustavo Cardoso Lima
Estudante de Jornalismo - UERJ
Oficina de Valores

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