Por: Alessandro
Imagem: http://ultradownloads.com.br |
Uma dessas lendas diz que Tales de
Mileto, o primeiro dos filósofos (aquele que falava que a água era o princípio
de todas as coisas), gostava muito de observar as estrelas. É dito mesmo que
ele chegou a prever um eclipse. Dado esse gosto, Tales passava muito de seu
tempo contemplando os céus. Pois bem, um belo dia de tanto ficar olhando para
as estrelas, acabou tropeçando num buraco que estava à sua frente e morreu.
Pois bem, é claro que tal
história tem uma moral por trás. E a moral é: quem descuida das coisas práticas
para ficar pensando naquilo que não está no “aqui e agora” corre sérios riscos.
Há sabedoria nessa lição...Não é incomum encontrarmos pessoas que perdidas em
seus pensamentos e imaginação chegam a deixar de lado coisas que são
importantes.
Quem anda com a cabeça nas nuvens
costuma esquecer que o mundo em que vive não é aquele que imagina. Que o
universo não gira em torno de suas vontades. Não é incomum uma pessoa assim
hipervalorizar coisas e situações etéreas e imaginárias em detrimento das
pessoas concretas que estão ao seu redor. Algumas vezes há um egoísmo em tal
atitude, outras vezes apenas imaturidade. Há ainda aquelas pessoas em que a
alienação é fruto de uma cegueira difícil de vencer. Quem vive assim acaba por
tropeçar em buracos que seriam facilmente evitados caso dedicasse um pouco mais
de interesse àquilo que está a sua volta.
Apesar da verdade que encerra,
devo dizer que essa lição de moral me
incomoda muito quando aplicada ao bom e velho Tales de Mileto. Não julgo que o
primeiro dos filósofos fosse um imaturo; imagino também que não fosse um egoísta. Gosto
de pensar que seu tropeço no buraco veio da crença de que estrelas eram algo
pelo que valia a pena morrer.
Antes que o leitor desista de continuar a leitura por
me considerar um tanto quanto louco, vou tentar explicar um pouco melhor. Tudo
o que Tales de Mileto fez, só foi
possível porque ele desenvolveu uma atitude de admiração por aquilo que estava
à sua volta. O mundo era algo fantástico e ele queria entende-lo. Ele
continuava perguntando quando todos paravam de perguntar. Ele continuava
admirado quando todos diziam “já está bom”. Essa atitude impulsionou sua vida e
fez com que ele gerasse um legado que nos marca até hoje. Para ser mais direto:
Tales de Mileto encontrou um grande ideal. E todo ideal pelo qual valha a pena
viver é um ideal pelo qual vale a pena morrer.
Tales morreu porque encontrou
algo que era maior que ele e para o que valia a pena direcionar o seu olhar.
Penso que mais triste do que tropeçar em um buraco por observar as estrelas é nunca
ter visto as estrelas porque se passou a vida olhando para o chão procurando
buracos.
Encaro a lenda do homem que
morreu por olhar para as estrelas como uma parábola que vem lembrar que nem só
de pão o homem vive. Que há no ser humano um anseio por algo que vai além dele.
E que é na correspondência a esse anseio que está nossa verdadeira grandeza.
A parábola embora muito boa, possui seus limites. E o principal limite, a meu ver,
é que ela opõe o chão e as estrelas. Ou
seja, diz que quem observa as estrelas dificilmente conseguirá andar direito. Tal tese não está apenas um pouco
equivocada, provavelmente está completamente errada e a verdade encontra-se na
posição oposta. Para comprovar isso basta lembrar que muito antes dos GPS, as
estrelas que guiaram os navegantes.
Foram esses homens dos mares os primeiros a nos ensinar que o
conhecimento dos céus é fundamental para navegar sobre os oceanos e mesmo
caminhar sobre a terra.
Para corroborar essa forma de pensar
é interessante lançar o olhar para outras histórias sobre Tales de Mileto que
chegaram até nós. Essas histórias dizem que ele não morreu no buraco (imagino
que possa ter apenas torcido o pé), mas que continuou vivendo e foi um cidadão
muito útil à sua cidade Mileto (sim, esse é o nome da cidade, não o sobrenome do filósofo).
Se dermos crédito às duas histórias, podemos chegar à conclusão que o olhar para as
estrelas tornou o primeiro filósofo apto a ver de maneira mais profunda as
situações do dia a dia. Ou, assim como Chesterton em outras situações, podemos
intuir que “não há nada mais prático que uma boa teoria”.
Esquecer o chão é um risco.
Deixar de ver as estrelas é outro ainda maior. Tais riscos alternam-se em
nossas histórias. Existem aqueles momentos em que inflamados por uma descoberta
esquecemos nossos limites e pecamos pela imprudência. Há, no entanto, aquelas
situações mais tristes onde nos aburguesamos e nos contentamos apenas com o que
é pequeno, abdicamos dos ideais por preguiça, cansaço ou medo.
Nossa realização e o bem que
podemos fazer ao mundo dependem de não perdemos de vista nossas estrelas.
Podemos e devemos ter os pés no chão e tomar cuidado com os buracos. Mas, para um peregrino, mais grave que um tropeço
em uma vala pelo caminho é a perda da
rota. E a rota minha gente, por mais que
trilhemos caminhos na terra, só o céu é capaz de nos dar.
Alessandro Garcia
Doutorando em Sociologia - UFRJ / Fundador da Oficina de Valores
1 comments:
espetacular!
que possamos ser guiados pelo céu - metaforicamente ou não - e caminhar em terra firme.
Postar um comentário